quinta-feira, 29 de outubro de 2015

O coração é um  caçador solitário (1940) 
Carson McCullers (1917-1967) - Estados Unidos    
Tradução: Marcos Santarrita     
São Paulo: Abril, 1984, 316 páginas 



Não gosto do título - soa piegas, promovendo assim uma falsa impressão acerca de um livro que é tão denso, corajoso e profundo, que às vezes torna-se difícil acreditar que tenha sido escrito por uma jovem de apenas 23 anos. A narrativa transcorre nos anos imediatamente anteriores ao início da II Guerra Mundial e tem como cenário uma pequena cidade industrial de um estado pobre, violento e racista do sul dos Estados Unidos (a Geórgia natal da autora, talvez, ou o vizinho Alabama). O romance descreve os encontros e desencontros entre personagens inesquecíveis: o enigmático Biff Brannon, dono de um restaurante popular; a sonhadora adolescente Mick Kelly; o enigmático surdo-mudo John Singer; o confuso agitador Jake Blount; o médico negro socialista Dr. Benedict Copeland e sua filha, a empregada doméstica Portia... Todos esses, e mais aqueles que os cercam, homens e mulheres, brancos e negros, jovens e velhos, fadados à solidão, à incompreensão, à frustração. Só dois aspectos me desagradam nessa quase obra-prima: alguns erros de composição* (principalmente relativos ao tratamento do tempo transcorrido) e a opção por caracterizar a fala dos negros pobres por meio da reprodução de erros gramaticais (ao invés de recriá-la artisticamente), provocando um estranhamento desnecessário.
  


* Abaixo, dois exemplos:
1) O surdo-mudo Spiros Antonapoulos é internado em um asilo para loucos numa cidade distante 300 quilômetros do cenário da história. O narrador comenta, à pág. 181, que "fazia mais de um ano já" que o fato transcorrera, para na pág. 194 escrever que "já faz cinco meses e vinte um dias"...  
2) À pág. 282, o narrador anota: "A viagem era longa. Pois, embora a distância (...) fosse de pouco menos de trezentos quilômetros, o trem desviava-se para pontos muito afastados do caminho e parava longas horas em determinadas estações durante a noite". Logo à pág. 287, quando o personagem está voltando desta viagem, vai escrito: "Chegou à estação dois minutos antes do trem partir e mal teve tempo de arrastar sua bagagem para dentro e arranjar uma poltrona. (...) À meia-noite, puxou a cortina da janela e deitou-se no assento. (...) Nessa posição, quedou-se num estupor de madorna por cerca de doze horas. O condutor teve de sacudi-lo quando chegaram".
  


Avaliação: MUITO BOM

(Outubro, 2015)




 

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