segunda-feira, 29 de abril de 2019

Armadilha para Lamartine (1975)
Carlos & Carlos Sussekind (1933BRASIL 
Rio de Janeiro: Labor: 1975, 300 páginas





Um estranho - mas fascinante - romance, construído a partir de dois textos: os cadernos de nº 66 e 67 do diário do procurador Espártaco M., 56 anos, homem de esquerda e ateu, que cobre o período de outubro de 1954 a agosto de 1955 e que tem como ponto alto os dois meses (como vai consignado na p. 17, ou 45 dias, na p. 300) em que seu filho, Lamartine, 21 anos, permanece internado no  Sanatório Três Cruzes para doentes psiquiátricos;  e as duas "mensagens" que Lamartine escreve, fazendo-se passar pelo colega Ricardinho, que relata brevemente a vida intramuros. Espártaco relata obsessivamente seu dia a dia, em cadernos intitulados "Diário da Varandola-Gabinete" (um cubículo de 1:15 por 1:60, "meus 'sete palmos', a única coisa que possuo verdadeiramente em minha casa" (p. 143). No diário, ele registra minúcias, como horários precisos em que saiu para trabalhar, almoçou ou jantou, os fatos políticos nacionais e internacionais, dados sobre a saúde dele, da mulher, Emília, dos filhos, Anita (recém-casada e em processo de engravidamento) e Lamartine, de parentes e conhecidos. "O escrever está na massa do meu sangue. Não saberia viver sem o fazer" (p. 138), afirma ele. São acontecimentos banais de uma família de classe média que mora no Leme, na então capital da República, vivendo a tensão dos últimos dias do governo Café Filho, passando por dificuldades financeiras e por aborrecimentos normais, numa "'rotina' que os meus filhos odeiam tanto e que eu reputo a coisa mais perfeita e mais deliciosa da vida" (p. 112). Somente a descoberta da  esquizofrenia, "rótulo posto na perturbação mental por que está passando o Lamartine"  (p. 258), abala aquele equilíbrio precário. O que está em discussão, no fundo, não é apenas a crítica ao processo de tratamento a que Lamartine é submetido - eletrochoques, confinamento, etc -, mas principalmente a tentativa de domesticação daqueles que não se encaixam dentro da ordem estabelecida. A armadilha a qual se refere o título é o "aparelho que intimida" (p. 29), o Estado que força os cidadãos para que se tornem pacatos e submissos. O próprio questionamento do que é normal e o que não é está presente no livro, às vezes de forma sutil, às vezes de forma explícita, como quando Espártaco anota que um funcionário do Sanatório olha-o como se ele fosse "um dos doidos" (p. 298), trecho que apaga em seguida. 




Avaliação: MUITO BOM



(Abril, 2019)





sexta-feira, 19 de abril de 2019

Veranico de janeiro (1966)
Bernardo Élis (1915-1997BRASIL 
Rio de Janeiro/Brasília: José Olympio/MEC: 1976, 135 páginas







Reunião de seis contos, que agregam o que há de melhor e pior no Autor. Vamos começar pelo pior. O Autor consegue uma dicção própria para retratar os rincões do centro-oeste brasileiro (como se Guimarães Rosa tivesse avançado Goiás adentro e não em direção à Bahia), mas, muitas vezes nada tem a oferecer além da própria linguagem. É o caso do conto que dá título ao livro: não há enredo - ou melhor, há um fio de enredo, um doente quase terminal que é deixado na casa de uma mulher, interessada nos lucros que poderia auferir, no futuro próximo, com sua morte. A história vai e vem, enrola-se, estica-se, sem nenhuma necessidade, apenas para demonstrar o virtuosismo do Autor. O mesmo ocorre - de forma exponencial - com "Os fuxicos da fonte de Taquari", uma bobagem sem sentido. Quando, no entanto, o Autor consegue desencantar-se, ele é sublime: "A enxada" é, sem qualquer dúvida, uma obra-prima que tem que constar de qualquer antologia do que melhor produziu a ficção curta brasileira. O Autor possui um profundo olhar crítico em relação à realidade e o usa para descrever situações sociais absurdas, como a permanência das relações escravocratas na sociedade brasileira, perceptíveis até hoje. É o que faz no conto citado e em "Rosa" e, com mais vigor, em "Dona Sá Donana". Quanto a "O padre e um sujeitinho metido a rabequista", a história da paciência de um cura vencendo a teimosia de uma mula, essa já foi lida, com mais propriedade até, em "A mula do Papa", do francês Alphonse Daudet (1840-1897), -  está na "Cartas ao meu moinho", de 1886 - e em "Mansinho", de João Alphonsus (1901-1944), do livro "Eis a noite!", de 1943, presente no livro "Contos e novelas", já resenhado aqui em 05/02/2019.





Avaliação: BOM



(Abril, 2019)








segunda-feira, 15 de abril de 2019

Histórias da cidade grande (1921-1940)
Ribeiro Couto (1898-1963BRASIL 
São Paulo: Cultrix, 1960, 251 páginas




Seleção de 22 contos extraídos de quatro volumes - A casa do gato cinzento (1921), O crime do estudante Batista (1922), Baianinha e outras mulheres (1927) e Largo da Matriz (1940). É curioso que o Autor, havendo iniciado sua trajetória narrativa ainda antes do "modernismo", não tenha mudando, em absolutamente nada, suas convicções estéticas depois de 1922. A rigor, os temas, o estilo, o clima, tudo permanece exatamente o mesmo. Seus contos são sempre episódicos, anedóticos, sem grandes aprofundamentos psicológicos ou questionamentos formais. No caso dessa coletânea, o Autor percorre o universo da pequena burguesia carioca e suas rasas aventuras, tudo monocromático, borrado de cinza. O Autor parece não querer chocar seu leitor, então resolve os casos todos, mesmo os que envolvem dilemas morais, com um esgar de ironia. Mas não de alguém que compreende e compartilha a dor humana, mas de alguém que, bonachão, desacredita dela... É o caso de "O bloco das Mimosas Borboletas", no qual as filhas queridas de um pai amoroso somem no carnaval, levando o pai à morte, por desgosto. Aquilo que poderia parecer um legítimo drama humano, transforma-se, pelo tratamento superficial, numa quase comédia nas mãos do Autor.



Avaliação: NÃO GOSTEI



(Abril, 2019)

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Serras azuis (1961)
Geraldo França de Lima (1914-2003BRASIL 
Rio de Janeiro: GRD, 1961, 353 páginas





Curioso esse romance. É uma narrativa novelesca (no sentido de telenovelas mesmo), sobre a vida de uma cidadezinha na província (no caso, Minas Gerais), escrito a partir de um ponto de vista... provinciano... E, no entanto, funciona! O tema principal é a disputa política entre os Passos-Pretos, comandados pelo coronel Eleodegário Souza, e os Tico-Ticos, comandados pelo médico Rivaldino Paleólogo, no finalzinho dos anos 1920, ou seja, na época do desmoronamento da República Velha. Como pano de fundo, as idas e vindas de uma relação impossível entre Gutemberg Roldão e Lígia das Graças Paiva, filhos de famílias arqui-inimigas, cujos antepassados - o Barão de Serras Azuis e o Licenciado Paiva, um republicano histórico - entraram em um conflito que gerou mortes, ódio e desejo de vingança. O entrecho favorece a representação de um mundo fechado, com seus tipos característicos, que não chegam se constituir como personagens, com fofocas, disse-me-disses, traições, assassinatos, enfim, a vida miúda de um lugarejo sem importância. O narrador escolhe o tom satírico para descrever o cotidiano patético, mas violento, do lugar, mas sempre com um olhar carinhoso de compreensão. Ou, como afirma Gutemberg Roldão: "Eu amo Serras Azuis. O pó imundo que às vezes sobe tão alto como um sonho inconsequente; esta lama pegajosa, estas velhas ruas tortas, com suas lajes assimétricas" (p. 353). O narrador não tem ilusões com relação à prática política nacional - a mesma desde sempre -, pois, vinda a revolução que poria fim aos velhos hábitos, o coronel Eleodegário, senhor absoluto da região durante a República Velha, mantém-se senhor absoluto da região nos novos tempos. O amor, no entanto, se salva. Lígia das Graças e Roldão superam a interdição, se casam, e, depois de viajarem por três anos pela Europa, voltam e se instalam na fazenda Garça Mimosa, que Roldão transformou numa idílica propriedade, com mão de obra imigrante italiana e japonesa. A certa altura, um personagem, Jovem Telegrafista, diz para Roldão que o que faltava em Serras Azuis era um romancista. "Não precisa de imaginação: basta apenas descrever o que vê" (p. 137). E é isso que se propõe o Autor. Essa, a força de seu livro. E também sua fraqueza.



Avaliação: BOM

(Abril, 2019)