terça-feira, 25 de agosto de 2020

O púcaro búlgaro (1964)
Campos de Carvalho (1916-1998) BRASIL         
    Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964, 96 páginas





Este romance propõe uma experiência pouco comum - uma narrativa que foge ao realismo naturalista, mas também não se submete às tendências do realismo mágico ou fantástico. Trata-se de uma viagem aos recônditos do absurdo, onde nada faz sentido, e o prazer encontra-se simplesmente em deixar-se levar pelos jogos de palavras - às vezes insanos; pelos trocadilhos - às vezes infames -; pelo humor desenfreado - às vezes grotesco; pelas observações ácidas - às vezes, vulgares... Um sujeito, não por acaso chamado Hilário (seu nome aparece uma única vez, à pág. 57), faz um chamamento para interessados em participar de uma expedição destinada a descobrir a Bulgária - ou, ao contrário, confirmar a sua inexistência. Ao seu convite, atendem o professor Radamés Stepanocinsky, cearense de Quixeramobim (sic); Expedito, o expedicionário sem expediente; Pernachio, que acreditava que ao invés de a Torre de Pisa estar torta era todo o resto que estava; Ivo que viu a uva, descendente em linha reta do sábio hindu que inventou o zero e que ganhava royalties sobre todos os zero usados no mundo; e Rosa, a empregada de Hilário, cobiçada por todos e que, afinal, foge com Expedito e todo o dinheiro juntado para realizar a expedição. Evidentemente, a expedição nunca acontece, o que ocorre são reuniões intermináveis do MSPDIDRBOPMDB (Movimento Subterrâneo Pró-Descoberta ou Invenção Definitiva do Reijo da Bulgária Ou Pelo Menos dos Búlgaros), em se discute as mais malucas teorias sobre os mais doidos assuntos... Aos que gostam de teorias conspiratórias e querem encontra profecias em tudo, à pág. 7, o narrador afirma: "Este espantoso documento já estava para ser entregue ao seu afortunado editor quando uma comissão de búlgaros, berberes, aramaicos e outros levantinos, todos encapuzados, procurou certa noite o autor e ofereceu-lhe dez milhões de dracmas para que não o publicasse - pelo menos até o começo do século XXI, quando certamente o mundo já não teria mais sentido"... Acertou na mosca: o mundo não faz mais sentido neste começo de século XXI...





 Avaliação: BOM 

(Agosto, 2020)

domingo, 23 de agosto de 2020

Vontade de ferro (1876)
Nikolai Leskov (1831-1895) RÚSSIA         
Tradução: Francisco de Araújo                 
São Paulo: Jabuticaba, 2020, 167 páginas





Nesse livro conhecemos a história de Hugo Kárlovitch Pektoralis, um engenheiro alemão, dono da tal "vontade de ferro" que traduz o título, narrada por Fiódor Afanássievitch Vótchiniev a seus amigos, enquanto desfrutam de um chá. Pektoralis é contratado por uma empresa inglesa instalada na Rússia para pôr em operação as máquinas importadas destinadas a um moinho a vapor e uma serraria. Desde sua chegada, Pektoralis demonstra excessivo apego à sua "vontade de ferro", traduzida numa teimosia por nunca abrir mão de princípios que impõe a si mesmo, ainda que isso o conduza ao escárnio e à desgraça. Ele é o exemplo do "espírito alemão", organizado e determinado, em contraste com o "espírito russo", que forma uma "massa simples, mole e crua" (p. 11), segundo as palavras do narrador. Após uma série de aventuras - ou desventuras -, Pektoralis, antes admirado e respeitado por sua "vontade de ferro", pouco a pouco vai sendo engolido por essa mesma "vontade de ferro", que acaba se mostrando simples obsessão de uma mente  inflexível. A novela culmina com a disputa entre ele e o fundidor Safrônytch, ou seja, no encontro entre o ferro alemão e a massa mole russa: e ambos saem perdendo... É interessante notar que, em muitos aspectos, o espírito do povo russo, pelo menos naquele momento de sua história, o século XIX, se assemelha muito ao espírito brasileiro, pendendo entre a esperteza e a autodepreciação...


 Avaliação: BOM 

(Agosto, 2020)

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Diário de um pároco de aldeia (1936)
Goerges Bernanos (1888-1948) - FRANÇA         
Tradução: Edgar de Godoi da Mata-Machado                
São Paulo: É Realizações, 2011, 285 páginas


Jovem, filho de camponeses miseráveis, o padre sem nome, personagem principal deste romance, acaba de assumir uma pequena paróquia no extremo norte da França. Cheio de ideais, esbarra logo de cara com as dificuldades de compreender os seus paroquianos, imersos na ignorância e distantes de Deus, e de conviver com seus superiores, acomodados a uma vida de conforto material. Os embates com uns e outros, tendo como pano de fundo as cicatrizes deixadas pela Primeira Guerra Mundial, levarão o pároco a um beco sem saída. Optando claramente por uma vida simples e próxima ao povo, que no entanto o rechaça, o narrador-protagonista desenvolve um câncer no estômago e morre. Crítica contundente aos rumos que a Igreja Católica tomava, ao abandonar os ensinamentos originais, o romance esbarra, para mim, apenas em um ponto incontornável, que é a inverossimilhança da forma de diário escolhida pelo Autor.


Entre aspas: 

"A esperança é um animal (...) um animal que está dentro do homem, um terrível e feroz animal. É melhor deixá-la extinguir lentamente. Ou, então, não mexa com ela. Se o senhor mexer, ela arranha, morde" (pág. 259)



 Avaliação: BOM 

(Agosto, 2020)