domingo, 30 de dezembro de 2018

As últimas cartas de Jacopo Ortis (1815)
Ugo Foscolo (1778-1827ITÁLIA  
Tradução: Andréia Guerini e Karine Simoni    
Rio de Janeiro: Rocco, 239 páginas



Jacopo Ortis é um jovem aristocrata que, por conta de suas posições políticas - favoráveis à unificação da Itália - é obrigado a refugiar-se nas colinas Eugâneas, ao norte de Pádua, região do Vêneto. Lá, na solidão do exílio, conhece Teresa, filha de T***, um nobre arruinado, por quem se apaixona perdidamente. O livro, dividido em duas partes, é constituído por cartas enviadas a um amigo, Lorenzo, que as edita e eventualmente comenta. A primeira parte narra o encontro de Jacopo com Teresa e a impossibilidade de realização deste amor, já que ela está prometida a Odoardo. "Odoardo era rico e de uma família com cujo parentesco o senhor T*** se livraria das perseguições e armadilhas dos seus inimigos, que o acusavam de ter desejado a verdadeira liberdade de seu país, delito capital na Itália" (p. 122). A segunda parte, que acompanha a peregrinação de Jacopo por várias cidades da Itália, acrescenta, às inquietações provocadas pela paixão avassaladora de Jacopo por Teresa, as suas meditações a respeito da política e dos políticos. "Se não houvesse leis protetoras para quem, a fim de enriquecer com o suor e com o pranto dos próprios compatriotas, empurram-nos à necessidade e ao delito, as prisões e os carrascos seriam tão necessárias?" (p. 141). Ao final, diante do casamento de Teresa e da frustração com relação a seus projetos políticos, Jacopo se mata. Às vezes causa estranhamento a maneira violentamente arrebatadora como vive Jacopo, mas temos que lembrar que ele está vivenciando o auge do Romantismo...


 (Dezembro, 2018)



Avaliação: BOM

Curiosidade: 

Avelino Foscolo (1884-1944), escritor brasileiro, anarquista, autor de romances como A capital (1903) e Vulcões (1920), entre outros, descendia de Ugo Foscolo por parte de sua bisavó.


Entre aspas: 


"(...) o que mais poderíamos esperar senão indigência e desprezo ou, no máximo, uma breve e estéril compaixão, o único conforto que as nações civilizadas oferecem ao refugiado estrangeiro?" (pág. 16)

"Acredito que o desejo de saber e recontar a história dos tempos passados seja filho do nosso amor próprio, que gostaria de se iludir e prolongar a vida, unindo-nos aos homens e às coisas que não existem mais e fazendo-as, por assim dizer, nossas". (pág. 19)

"Os homens, não podendo adquirir sozinhos a própria estima e a dos outros, esforçam-se para se elevarem, comparando os defeitos que, por ventura, não têm aos que seu vizinho possui". (pág. 37)

"Sepulturas! Belos mármores e pomposos epitáfios; mas ao abri-los, só encontramos vermes e fedor". (pág. 47)

"(...) onde a religião não está enraizada nas leis e nos costumes de um povo, a administração do culto é comércio". (pág. 62)

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Casa de pensão (1884)
Aluísio Azevedo (1857-1913- BRASIL 
Rio de Janeiro: Editora Três, 1973, 328 páginas




Amâncio da Silva Bastos e Vasconcelos, filho do comendador Manuel Pedro de Vasconcelos, "um dos mais estimados negociantes" (p. 285) de São Luís do Maranhão, chega ao Rio de Janeiro com vinte anos para estudar medicina. "(...) seu tipo franzino, meio imberbe, meio ingênuo (...) de uma vivacidade quase infantil (...)" escondia, segundo o narrador, "(...) um sonhador, um sensual, um louco. (...) Seu todo acanhado, fraco e modesto, não deixava transparecer a brutalidade daquele temperamento cálido e desensofrido" (p. 38). Amâncio, endinheirado, muito mais que se formar, pensa em desfrutar daquela cidade, que imaginava com "cortesãs cínicas e formosas, ceias pela madrugada, passeios pelo Jardim Botânico, em carros descobertos, o champanha ao lado, o cocheiro bêbado" (p. 53). Embora se veja como um sujeito esperto, é rapidamente engolfado pelo "bulício vertiginoso" do Rio de Janeiro. Muda-se para a casa de pensão de Madame Brizard, uma francesa casada, em segundas núpcias, com João Coqueiro, estudante de engenharia muito mais novo que ela. Madame Brizard tem três filhos do primeiro casamento: a mais velha, "a glória da família" (p. 92), unira-se a um ministro plenipotenciário; Léonie (Nini), "viúva histérica" (p. 97), e Cesar, então com doze anos. Na casa de  pensão, no centro, além de Madame Brizard, João Coqueiro, Nini, Cesar e os hóspedes, vive Amélia, irmã de Coqueiro, a Amélia dos camarões, como era conhecida à boca pequena. Coqueiro logo vê em Amâncio uma fonte de renda e passa a explorá-lo, convencendo a irmã a se deixar seduzir e tornar-se amante do estudante. Ao mesmo tempo, Amâncio tenta conquistar Hortênsia, mulher de Luís Campos, seu protetor. Com o tempo, Amâncio e Amélia, em uma outra casa, em Santa Teresa, onde o estudante se recolhera, junto com toda a família, para tratar de dores reumáticas, advindas após pegar bexiga, levam vida de casados - sob a vista grossa de Madame Brizard e Coqueirinho. Tornam a mudar, agora para Laranjeiras, mas já então Amâncio não sente mais por Amélia a paixão de antes... E começa a traçar um plano para abandoná-la... Mas Coqueirinho descobre, denuncia-o à polícia e Amâncio é levado a julgamento pela pretensa defloração de Amélia... Afinal, é julgado e absolvido, mas Coqueirinho, falido, inconformado e motivo de chacota, mata-o com vários tiros de revólver. O livro é às vezes prejudicado por um certo fatalismo, típico da época, e por imagens de extremo mau gosto - "As palavras borboleteavam-lhe da língua como o sangue de uma facada" (p. 150) ou "(...) aquela voz derramada pelos cantos da boca, que nem um caldo fino e seboso" (p. 153). Ou ainda por frases quase incompreensíveis pelo uso de termos técnicos - "Apesar de seus fracos estudos de medicina, fazia-lhe mal aos nervos aquela figura descarnada, que se exinania na impudência aterradora da morte: faziam-lhe mal aqueles membros despojados de vida, aquele esqueleto animado, que, na sua distanásia, parecia convidá-lo para um passeio ao cemitério" - uma frase que mais parece extraída de um poema de Augusto dos Anjos (1884-1914). E a cena final é um convite ao melodrama... Apesar de tudo, é um romance interessante para compreender a sociedade do Rio de Janeiro (e do Brasil) naquele fim de século XIX...


Avaliação: BOM


 (Dezembro, 2018)



sábado, 15 de dezembro de 2018

Mary Barton (1848)
Elizabeth Gaskell (1810-1865INGLATERRA 
Tradução:  Julia Romeu    
Rio de Janeiro: Record, 2017, 462 páginas




Um dos primeiros - e, ainda hoje, dos poucos - romances a tratar com realismo a vida do proletariado. A Autora situa sua história em Manchester, no começo da década de 1840, cidade que abrigava uma forte indústria têxtil, num momento em que não havia nenhuma legislação trabalhista e, portanto, a exploração da mão de obra beirava à escravidão. O livro, na verdade, divide-se, quase esquizofrenicamente, em duas partes: a primeira, quando a narradora apresenta a vida de privações dos operários (fome, doenças, mortes, insalubridade) e o desespero da busca pela sobrevivência; a segunda, quando concentra-se no assassinato do filho de um dos empregadores, Mr. Carson, aparentemente provocado por uma crise de ciúmes do pretendente rejeitado da protagonista, que dá título ao romance. Mary Barton é uma jovem que aos dez anos perdeu a mãe e desde então mora com o pai, John Barton, um operário que, revoltado contra o que considera injusto - o paradoxo entre a vida de conforto dos patrões, enquanto os empregados morrem na indigência -, une-se a sindicalistas radicais, tornando-se "um cartista, um comunista, tudo aquilo que chamam de louco e de visionário" (p. 201). Viciado em ópio, Barton, aguda consciência operária - "(...) o trabalho é o nosso capital..." (p. 81), afirma - ajuda na organização de greves, promove a divulgação das ideias paredistas e participa até mesmo na trama de atentados contra os donos das indústrias. Na primeira parte, a situação de extrema pobreza da classe operária é retratada com profunda indignação pela narradora: "(...) quando ouço falar, como já ouvi, dos sofrimentos e das privações dos pobres: (...) dos pais que passavam a noite inteira, sete noites por semana, sentados diante do fogo com suas roupas de rua, de modo que a única cama e os únicos lençóis da família pudessem ser reservados para o uso de seus muitos filhos; de outros que dormiam na laje fria por semanas a fio, sem meios adequados de se suprir de comida e combustível (e isso no mais profundo inverno); de outros, sendo obrigados a jejuar por dias e dias, sem a esperança de tempos melhores para alegrá-los, vivendo, ou melhor, morrendo, num sótão apinhado ou num porão úmido, ou sendo gradualmente aniquilados pela penúria e pelo desespero que os levaria à morte prematura (...) - será que posso me espantar ao saber que muitos deles, em tal época de miséria e infelicidade, tenham falado e agido com precipitação feroz?" (p. 103). Na segunda parte, o romance torna-se quase um trílher de julgamento: acusado pelo assassinato de Henry Carson, James (Jem) Wilson é preso e levado ao tribunal, cuja sentença será a pena por enforcamento. Mas Mary, apaixonada por ele - e sabendo de sua inocência - consegue, após várias peripécias, obter o testemunho de William (Will) Wilson, que garante um álibi insofismável a Jem (eles estavam juntos na noite do assassinato, longe do cenário do crime). Mais à frente, John Barton confessa ser ele o criminoso - um assassinato político - e é perdoado por Mr. Carson, já que, conclui a narradora, "ricos e pobres, patrões e empregados, eram, portanto, irmãos em sofrimento" (p. 428). John Barton morre, Mr. Carson torna-se um patrão mais justo - "(...) quem tem qualquer força dada por Deus deve ajudar os mais fracos (...)" p. 451 -, Jem e Mary Barton se casam e se mudam para o Canadá, onde ele vai ser "fabricante de instrumentos da Faculdade de Agricultura" em Toronto. Se na primeira parte, o discurso da narradora beira à subversão, na descrição das péssimas condições de vida dos operários - nos tempos de recessão, "as carruagens ainda atravessam as ruas, os concertos ainda ficam lotados, as lojas de artigos de luxo ainda têm clientes todos os dias, enquanto o operário passa os dias sem ofício observando essas coisas e pensando na esposa pálida que está em casa, sem reclamar, e nas crianças que choram, pedindo em vão por mais comida - na saúde que se esvai, na vida daqueles que mais ama se acabando" (p. 33); na segunda parte, ela ameniza as contradições e  busca uma conciliação entre patrões e empregados via discurso religioso - os críticos da época afirmam que essa guinada se deu em função das pressões dos editores...


Avaliação: MUITO BOM



Curiosidade: 

A Autora - estamos no início da história do romance, ou seja, no período de sua consolidação - usa de um subterfúgio muito interessante (e simpático) para dar maior verossimilhança à narrativa: a ignorância. Em várias passagens do livro, a narradora confessa não saber determinadas coisas. Por exemplo, à pág. 286: "Mary tateou mais e encontrou algumas balas ou projéteis (não sei como se chamam) naquele mesmo bolso"... Ou, à pág. 316: "Mas pense em Mary e no que ela estava suportando! Imagine (pois eu não saberia descrever) os exércitos de pensamento que se chocavam em seu cérebro". Ou ainda, à pág. 340: "Charley explicou o que queria usando muitas gírias que foram incompreensíveis para Mary e que eu, uma grande fã de terra firme, não saberia repetir corretamente". Em outras passagens, ela se imiscui como Autora, como por exemplo, à pág. 299: "Muitas pessoas têm pânico desses pergaminhos. Eu sou uma delas. Mary era outra". Ou à pág. 313: "E se em seus sonhos (aquela terra onde a piedade e o amor de outra pessoa não podem penetrar, nem para compartilhar da felicidade, nem da angústia; aquela terra cujas cenas são horrores invisíveis, mistérios ocultos e tesouros inestimáveis reservados só para nós; aquela terra onde, sozinha, eu posso ver, enquanto permaneço neste mundo, o lindo rostinho do meu filho querido)". Ou ainda, à pág. 381: "Eu não estava presente, mas alguém que estava me disse que a melhor maneira de descrever a aparência de Mary era dizer que lembrava muito a pintura de Beatriz Cenci feita por Guido Reni".




Entre aspas: 



"Mesmo entre os homens mais nobres, uma vez que o eu ganha uma existência proeminente, torna-se algo mesquinho e pequeno". (pág. 201)

"É notório que não há religioso mais zeloso do que o convertido; e não há patrão mais rígido e indiferente aos interesses de seus trabalhadores do que aqueles que vieram eles próprios dessa classe". (pág. 203)

"(...) sentir ansiedade e tristeza pelo mesmo motivo faz as pessoas ficarem amigas mais depressa do que qualquer outra coisa (...)" (pág. 400)