quarta-feira, 30 de outubro de 2019

O caminho do sacrifício (1918) 
Fritz von Unruh  (1885-1970) ALEMANHA  
Tradução: Manuel Resende  
Lisboa: Antígona, 2014, 174 páginas




Romance sobre a Primeira Guerra Mundial - mais especificamente sobre a Batalha de Verdun, transcorrida ao longo de 1916. Narrado a partir de uma perspectiva expressionista, expõe momentos-chave de um grupo de soldados alemães no front. Não contempla heróis - inclusive, porque não se fixa em nenhum protagonista -, mas sim alguns jovens, idealistas uns, alienados, outros, que terão suas vidas modificadas - ou aniquiladas - pela irracionalidade do conflito. (Há um problema, que também não saberia, talvez, indicar resoluções, que me incomoda na tradução. Os soldados alemães, no início do século XX, falam como fossem portugueses contemporâneos: usam e abusam de expressões informais como "pá" - algo equivalente ao paulistanês "meu" -, "gajo" - equivalente a "cara" -, "gabiru", que significa alguém brincalhão; bebem "bagaço", uma bebida tipicamente portuguesa...).


Avaliação: BOM

(Outubro, 2019)

terça-feira, 22 de outubro de 2019

A justiça de Yerney (1907) 
Ivan Cankar (1876-1918) - ESLOVÊNIA 
Tradução: Conceição Cordeiro Bagagem 
Amadora: Cavalo de Ferro, 2019, 94 páginas





Durante 40 anos, Bartholomew Yerney trabalhou numa fazenda em Betajnova, interior da Eslovênia, na época parte do Império Austro-Húngaro. Com a morte do velho Sitar, Yervey acredita que assumirá a direção do lugar, pois, segundo seu raciocínio, se foi ele a trabalhar a terra, "que produziu frutos maravilhosos", então seria ele o novo dono da fazenda. Evidentemente, o filho de Sitar, Tony, não concorda e expulsa o empregado. Então, Yerney começa uma longa peregrinação em busca do que acredita serem seus direitos. Primeiro, vai ao presidente da Câmara de Betajnova, depois, sucessivamente, a Dolina, capital da província; Ljubliana, capital do país, e então a Viena, capital imperial. Em todos os lugares é recebido com sarcasmo e em Viena é preso e deportado para sua cidade natal, Resje, de onde havia saído ainda criança. Inconformado com a falta de justiça, ele volta a Betajnova, põe fogo na casa da fazenda e acaba linchado pelos outros empregados. Uma bela fábula sobre injustiça social, particularmente na figura do camponês, que, explorado a vida inteira, não tem, no final, nem mesmo terá direito a um lugar digno para morrer. Ou, como explica um sábio a Yerney: "A lei humana diz: 'O Yerney construirá, e quando a construção estiver terminada, o patrão deverá sentar-se à lareira e mostrará a Yerney a porta de saída. O Yerney lavrará e semeará e ceifará, e a colheita será do patrão, enquanto para Yerney ficarão as pedras. O Yerney cortará e desbastará, amontoará o feno e a palha, e quando o palheiro, o celeiro e os estábulos estiverem cheios, o patrão descansará numa cama macia, e o Yerney, no caminho duro. Ambos envelhecerão. Então, o patrão sentar-se-á no canto da lareira, a fumar o cachimbo e a dormitar, e o Yerney esconder-se-á atrás do palheiro e morrerá num monte de feno ou numa estrumeira miserável'" (p. 24). Yerney compreenderá então que "a justiça existe só para aqueles que a fizeram" (p. 47).





Curiosidade:

A literatura finissecular é pródiga em resolver os conflitos com uma grande hecatombe. E, particularmente, adoram terminar os livros com incêndios... É o caso deste "A justiça de Yerney" e é o caso também de pelo menos dois romances brasileiros da época: "O Ateneu", de 1888, de Raul Pompéia (1863-1895), e "O cortiço",  de 1890, de Aluízio Azevedo (1857-1913). 


Avaliação: BOM

(Outubro, 2019)

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

A floresta dos enforcados  (1922) 
Liviu Rebreanu (1885-1944) ROMÊNIA 
Tradução: Celestino Gomes e Vitor Buescu
São Paulo: Paulinas, 1969, 314 páginas

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Romance que tem como pano de fundo o ambiente da Primeira Guerra Mundial, mais especificamente a derrocada do Império Austro-Húngaro e o nascimento das aspirações nacionalistas. Ex-estudante universitário em Budapeste, o tenente Apostol Bologa foi convocado para o exército no começo da guerra, em 1914, e já ganhou três  condecorações por seu comportamento no campo de batalha. "A guerra arrebatou-me aos meus livros,  à Universidade onde eu tinha perdido o contato com a vida real. Mas fui vivamente despertado e apercebi-me que só a guerra era a verdadeira geradora de energias!" (p.17), pensa ele, inicialmente, orgulhoso e entusiasmado. Uma noiva, Marta Domsa, o espera em sua aldeia natal, Parva, na Romênia, e seus superiores o têm em alta conta como soldado e como cidadão. "Não afirmo que nosso Estado seja bom. (...) Mas, desde que ele existe, temos de cumprir nosso dever... Dê-me um Estado melhor, que eu aceito-o. Mas, caso contrário, cairemos na anarquia (...)" (p. 39), ele argumenta. A história começa em 1916 com o enforcamento de um alferes checo, Svoboda, por crime de traição - ele teria sido apanhado na tentativa de desertar. Bologa participou, com orgulho, do conselho de guerra que condenou o alferes à morte. No entanto, ao longo do livro Bologa vai, pouco a pouco, tomando consciência dos horrores da guerra e de sua participação ativa num confronto que é, antes de tudo, uma grande carnificina fratricida sem sentido. As coisas pioram radicalmente quando fica sabendo que será transferido para a Transilvânia e terá que enfrentar seus compatriotas, que se rebelaram e buscam a independência, com a ajuda da Império Russo e dos aliados França e Inglaterra. Bologa irá tentar desertar para o lado dos romenos, mas no momento em que tenta alcançar as linhas inimigas, é atingido por estilhaços de uma granada e recolhido a um hospital. Durante a convalescença  muda radicalmente de opinião a respeito da guerra: "A lei, o dever, o juramento, só valem até o momento em que não impõem um crime à consciência" (p. 114). Na volta à frente de batalha, conhece uma jovem húngara, Ilana, filha do coveiro de uma aldeia, que lhe dá novo alento. Resolve pôr fim ao noivado com Marta Domsa e se compromete em casar com Ilana. Passa a  emular o pensamento de seu pai, Iosif, herói do nacionalismo romeno, preso e morto pelo Estado austro-húngaro e a seguir seus ensinamentos:  "A criança deve compreender desde o princípio que a vida do homem só é preciosa quando ele segue um ideal" (p. 31). Sofre, então, uma crise mística, e, acusado por suas simpatias independentistas, é julgado e condenado à forca, por traição. O romance é muito bom na construção dos impasses de Bologa - no final, ele assume uma postura mística, quase repetindo o martírio de Jesus, ao entregar sua alma a uma causa que considera justa e intransponível.




Avaliação: MUITO BOM

(Outubro, 2019)