sábado, 6 de outubro de 2018

Duas narrativas fantásticas (1876 e 1877)
Fiódor Dostoiévski (1821-1881- RÚSSIA                    
Tradução: Vadim Nikitin        
São Paulo: Editora 34, 2015, 123 páginas




Embora seja o Autor a intitular as duas narrativas presentes neste volume de "fantásticas", elas não podem ser assim entendidas. A primeira, "A dócil", de 1876, que o próprio Autor considera "realista ao extremo" (p. 13), é por ele conceituada como "fantástica" pela "forma", um jorro de lembranças e explicações de um marido ao lado do corpo da mulher que acabou de se suicidar. Uma espécie de fluxo de consciência que antecipa alguns procedimentos de vanguarda que estariam em voga décadas depois. A segunda narrativa, "O Sonho de um homem ridículo", de 1877, é a descrição de um sonho, que alinhava elementos oníricos próprios desse estado de espírito, mas também profundamente ancorados no real. "A dócil" é um conto longo, que expõe o desespero de um homem de quarenta e um anos, dono de uma casa de penhores, na busca de compreender, ou melhor ainda, de justificar o suicídio da mulher, uma órfã de 16 anos, com quem vive uma relação de "desigualdade", que o cativava (p. 35). O marido faz tudo para atormentar a mulher, para colocar à prova seu amor, sua fidelidade, sua submissão, até descobrir que o que conseguiu dela, ao invés de afeto, foi apenas um profundo desprezo, que a empurra para o desfecho trágico. Um mergulho nas regiões abissais da alma humana... Já "O Sonho de um homem ridículo", um conto breve, surpreende um homem para quem "tudo tanto faz" (p. 92), que, disposto a se matar, interrompe o ato após perceber que sente pena de uma criança com quem cruza na rua, provando, desta maneira, que nem tudo lhe é verdadeiramente indiferente. Então, volta para casa, dorme e sonha com um mundo utópico, no qual reencena a ideia edênica de alguém que macula uma terra "que antes era feliz e não conhecia o pecado" (p. 117).  Contudo, esse homem, ao acordar, decide que, apesar de tudo, irá prosseguir.





(Outubro, 2018)

Avaliação: BOM

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Noites brancas (1848)
Fiódor Dostoiévski (1821-1881- RÚSSIA                    
Tradução: Nivaldo dos Santos        
São Paulo: Editora 34, 2005, 96 páginas




Narrativa curta, dividida em quatro noites e uma manhã, que coloca em cena um jovem de 26 anos, que se autodenomina Sonhador, e uma adolescente de 17 anos, Nástienka. Este Sonhador mora em São Petersburgo há oito anos, num quarto de pensão de "paredes verdes enegrecidas, o teto coberto de teias de aranha" (p. 13), cultivando suas obsessões - "Se uma cadeira minha não estiver como na véspera, então fico fora de mim" (p. 13) -, imerso na mais profunda solidão, um homem comum, "absolutamente sem qualquer história" (p. 28). Uma noite, sob a luz "incerta e fantástica" (p. 39) da cidade, as chamadas "noites brancas", o Sonhador encontra Nástienka por acaso, debruçada no parapeito do canal, chorando. Ele se comove com a imagem e tenta se aproximar, mas é rechaçado, até que, assediada por um homem mais velho, Nástienka aceita ser conduzida até sua casa. Ao se despedirem, após insistência do Sonhador, ela promete voltar a encontrá-lo na noite seguinte. E, então, o Sonhador, que fala "maravilhosamente bem", "exatamente como se lesse um livro" (p. 32), se apaixona por Nástienka, embora ela lhe confesse sua paixão por outro, um hóspede que havia alugado um quarto na casa de sua avó, e que prometera voltar para se casar com ela, após passar um ano em Moscou, período que finda naquela época. Na quarta noite, depois de ela desistir de esperar a volta do amado, consente em casar-se com o Sonhador. Chegam até mesmo a traçar planos futuros juntos, mas eis que o amado ressurge e ela opta por ficar com ele. Apesar de frustrado, o Sonhador não se desespera, suspirando, ao final, "Meu Deus! Um momento inteiro de júbilo! Não será isso o bastante para uma vida inteira?..." (p. 82). quando, ele, que nunca conseguira estabelecer "quase nenhuma relação" (p. 11), de certa forma responde às suas indagações anteriores: "o que você fez de seus anos? Onde sepultou a melhor época? Você viveu ou não?" (p.44).


(Outubro, 2018)


Avaliação: BOM