segunda-feira, 30 de março de 2020

Os sonâmbulos - Volume III (1932) 
Hermann Broch (1886-1951) ÁUSTRIA    
Tradução: Marcelo Backes       
São Paulo: Benvirá, 2011, 500 páginas





Este terceiro e último volume da trilogia "Os sonâmbulos" traz como protagonista Wilhelm Huguenau, desertor do exército alemão durante a I Guerra Mundial, um dos mais desprezíveis personagens da literatura mundial: "Huguenau é o homem que age buscando objetivos. Dividiu objetivamente seus dias, conduz objetivamente seus negócios, concebe objetivamente seus contratos e os assina" (p. 120). Estamos em 1918, último ano da guerra, e Huguenau, descendente de uma família de industriais da Alsácia - região eternamente em disputa entre Alemanha e França -, abandona o campo de batalha e surge na cidade de Trier. Ali, de maneira sórdida, aproxima-se do agora major Joachim von Pasenow (protagonista do primeiro volume), que comanda a cidade naqueles tempos de conflito, e o convence a apresentá-lo aos maiorais do lugar, sob o argumento que representa os interesses de um importante grupo capitalista disposto a investir na compra do jornal local, que, segundo ele, não estaria demonstrando patriotismo suficiente. Com sua conversa nacionalista, consegue seu intento e passa a dirigir o jornal, Mensageiro do Eleitorado de Trier, cujo ex-dono é August Esch (protagonista do segundo volume), que se mantém no periódico como redator. Huguenau conduz seus movimentos em Trier com uma mistura de cinismo, hipocrisia e mau-caratismo - a tal objetividade que subintitula esse volume - e enreda em sua teia todos à sua volta. Ao fim, Huguenau assassina Esch durante a sublevação dos prisioneiros, já no final da guerra, um crime sem testemunhas, e, num golpe de sorte, salva a vida de Pasenow e, com isso, embora seu nome conste na lista original de desertores, consegue um salvo conduto. Em Colônia, rouba o dinheiro dos acionistas do jornal e ainda revende sua parte da empresa à viúva de Esch, Frau Hentjen. Huguenau assume a firma do pai, André Huguenau Indústria Têxtil, em Colmar, na Alsácia, tornando-se portanto cidadão francês: "Huguenau viveu sua vida em paz. Era pai de família, sua redondeza elástica se abaulou ainda mais (...) Era cortês com seus clientes, um chefe severo, de zelo modelar para o trabalho, com seus funcionários. (...) Ganhou honras municipais (...) Sua vida era a mesma que seus ancestrais carnais já levavam havia duzentos anos (...)" (p. 457). Se a construção do personagem de Huguenau é verossímil e convincente - a insinuação de seu desejo pedófilo para com Marguerite, uma francesinha criada por Esch, é impressionante! - , o mesmo não se dá com o regresso de Esch e Pasenow, cujas participações neste volume parecem um tanto quanto forçadas. Para estar em Trier, Esch recebe uma "herança imprevisível " (p. 45), e Pasenow encontra-se ali por acaso. Outra personagem conhecida, Frau Hentjen, com quem aliás Haguenau se relaciona sexualmente, numa cena patética, não lembra nem de longe a mulher forte e determinada que casou-se com Esch no segundo volume. As presenças de Esch e Pasenow não se justificam no romance - poderiam ser quaisquer outros, sem prejuízo da trama - e parecem ter a função apenas de amarrar os três volumes. Além disso, a ideia de experimentar diversos gêneros dentro do romance (tratado estético, ensaio filosófico, poesia, etc) não funcionam, servem apenas para provocar dispersão do fulcro principal, assim como os vários núcleos romanescos - a história da paixão impossível entre o judeu Nuchem Sussin e Marie, a moça do Exército da Salvação; a dilaceração psíquica do pedreiro e reservista Ludwig Gödicke; o desencanto do engenheiro e tenente Jaretzki, que teve amputado um braço por conta do gás mostarda;  a "esposa insignificante de um insignificante advogado provinciano" (p. 60), Hanna Wendling - tudo isso fica solto e sem relação intrínseca com a história principal. De qualquer forma, trata-se de literatura de alto calibre, que, de alguma forma, antecipa o horror da II Guerra Mundial, que surgiria na figura do Führer, descrita à perfeição na pág. 58. "É bem provável que seja por isso que ansiamos pelo guia, pelo 'líder', a fim de que ele nos conceda a motivação para um acontecimento que sem ele podemos chamar apenas de demente". 




 Avaliação: BOM


(Março, 2020)

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