quarta-feira, 11 de março de 2020

A lenda do Cavaleiro sem cabeça 
 e outros contos (1820) 
Washington Irving (1783-1859) ESTADOS UNIDOS     
Tradução: Júlio Henriques       
Lisboa: Tinta da China, 2008, 173 páginas




Reunião de três contos - "Rip van Winkle", "A lenda do astrólogo árabe" e o que dá título à coletânea. "A lenda do Cavaleiro sem Cabeça" é uma anedota - um causo, destes que se contavam à beira do fogo em noites de lua cheia, em tempos de antanho. Situado no coração da colônia holandesa na Nova Inglaterra - assim como o conto que comentarei na sequência -, narra a disputa entre um "mocetão corpulento, animoso e jovial" (p. 40), Brom van Brunt, e mestre-escola Ichabod Crane, tão desconjuntado que "quem num dia ventoso o visse avançar num morro, ladeira acima, com a roupa a insuflar-se e a esvoaçar-lhe à roda do corpo, bem podia tomá-lo (...) por um espantalho a fugir de um milheiral" (p. 22). Ambos disputam o coração de Katrina Van Tassel, "de universal nomeada, não só pela beleza mas também pelas grandes probabilidades de herança futura" (p. 34). A lenda em questão - a do cavaleiro André, soldado que teve cabeça "arrancada por uma bala de canhão" (p. 17), cujas aparições assustam os camponeses, "correndo a toda a brida por entre as sombras da noite" (p. 17) - só serve como mote para o desfecho da história, uma peça pregada por Brom van Brunt contra o pobre Ichabod Crane, em vingança pela corte que esse fazia à pretendida daquele. Mais interessante é "Rip van Winkle", homem de "insuperável aversão a toda a espécie de trabalho lucrativo" (p. 90), "sempre disposto a cuidar das obrigações de toda a gente menos das dele" (p. 92), e, por isso mesmo, admirado e amado por todos de sua aldeia, exceto por sua mulher. Um dia, após mais uma de suas inúmeras brigas, Rip van Winkle bate em retirada, como sempre, e sobe com seu fiel cão, Lobo, em direção às montanhas Kaatskill, "ramo desmembrado da grande família dos Apalaches" (p. 85). Lá ele tem uma experiência bizarra: guiado por um "homem idoso, baixote, entroncado, de espesso cabelo emaranhado e barba grisalha" vestido com uma roupa "ao antigo estilo holandês" (p. 102) é levado para uma espécie de anfiteatro onde se reúne um "grupo de personagens de singular aparência" (p. 104) que se diverte jogando e bebendo. Rip também prova da bebida, "que lhe pareceu ter muito do sabor da excelente genebra holandesa" (p. 106), e acaba adormecendo. Quando acorda, no que pensa ser a manhã seguinte, regressa à aldeia e descobre que se passaram... vinte anos! A tudo estranha e todos também o estranham, mas acaba por ser reconhecido e reincorporado à comunidade - ele ainda vive muitos anos, na casa de uma de suas filhas, Judith Gardenier, Excelente história contada com lirismo e humor... um tanto quanto misógino... A última narrativa, "A lenda do astrólogo árabe", se desloca no espaço e no tempo - Granada, na Espanha, na época em que essa região era dominada pelos muçulmanos. Trata-se de uma "lenda oriental", gênero muito em voga em dado momento da história literária, que tem como objetivo contar um fato e enfeixar uma moral. O rei Aben Habuz, "conquistador aposentado" (p. 145), que, "mais não desejando do que viver em paz com o mundo inteiro" (p. 145), alia-se a Ibrahim Ebn Abu Ayub, um sábio que, dizia-se, "vivia desde o tempo de Maomé e que era filho de Abu Ayub, o último dos companheiros do Profeta" (p. 146). Segundo a fama, ele havia permanecido muitos anos "estudando com os sacerdotes egípcios as ciências ocultas e, em especial, a magia" (p. 146).  A pedido do rei, o sábio inventa-lhe um mecanismo fantástico para livrar-se do inimigo, recebendo em paga uma caverna nas montanhas, transformada inicialmente em eremitério e, mais tarde, "num sumptuoso palácio  subterrâneo" (p. 155), onde ele vive luxuosamente entre bailarinas "jovens e agradáveis à vista, pois a contemplação da juventude e da beleza reconforta a velhice" (p. 155). Tudo vai bem, até o dia em que surge no reino "uma donzela cristã de inexcedível formosura" (p. 156), uma princesa goda, por quem o rei se toma de amores, apesar de o sábio lhe chamar a atenção de que ela bem poderia ser "uma dessas feiticeiras do Norte (...) que adoptam as formas mais sedutoras para encantar os incautos" (p. 157). Também apaixonado pela donzela, o sábio se vinga do rei, roubando-a e fazendo desaparecer a ambos. Sinceramente, não sei qual seria a moral desta história...




Avaliação: BOM

(Março, 2020)

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