domingo, 8 de março de 2020

Os sonâmbulos - Volume I (1931) 
Hermann Broch (1886-1951) ÁUSTRIA    
Tradução: Marcelo Backes       
São Paulo: Benvirá, 2011, 275 páginas





Primeiro de uma trilogia, esse volume traz como subtítulo "Pasenow ou O romantismo (1888)". Portanto, adianta o nome do protagonista, o aristocrata Joachim von Pasenow, tenente da cavalaria do Império Alemão; o ano em que transcorre a narrativa (1888), não por acaso o ano da morte de Guilherme I, fundador do império unificado; e o espírito de uma época, o romantismo. O Autor consegue desenhar personagens verossímeis e fascinantes, e dois deles, de certa forma, sem os transformar em tipos, representam modelos contraditórios do pensamento daquele período: de um lado, Pasenow, fraco, inseguro, convencional, cheio de culpas, e, de outro, Eduard von Bertrand, dois anos mais velho, determinado, cínico, pragmático. O romance trata de um momento crucial na vida de Pasenow. Filho caçula de uma família de proprietários rurais, Pasenow serve como tenente em Berlim, e, embora fascinado com a carreira militar - incapaz de "dizer onde fica a fronteira entre seu eu e o uniforme" (p. 32) -, sofre de uma "nostalgia pela vida no campo" (p. 46). Ele conhece Ruzena, uma prostituta tcheca (ou boêmia, como insiste em se apresentar, mostrando as divisões insolúveis da Europa Oriental), e se torna amante dela, mesmo comprometido em se casar com Elisabeth, filha do Barão von Baddensen. Com a morte do irmão, Helmuth, que havia ficado administrando as terras da família em Stolpin, num duelo "em nome da honra", o pai, Herr Pasenow, sujeito insuportável, machista, racista, petulante, começa a perder a razão, tornando-se pouco a pouco paranoico, até sucumbir de vez à loucura (aliás, um personagem tão grandioso, que chega por vezes a tornar-se maior que o espaço dedicado a ele no romance). Com a tragédia, precipita-se a necessidade de Pasenow assumir as propriedades da família, e, para isso, precipita-se também a necessidade de formalizar o casamento. A grandiosidade do romance está no embate entre Pasenow e Bertrand, que largou a carreira militar para tornar-se um bem sucedido capitalista, "importador de algodão" (p. 36), com empresa sediada em Hamburgo. A relação entre eles é extremamente dúbia: Pasenow tem verdadeira obsessão pelo amigo, a quem ao mesmo tempo despreza (por abraçar uma carreira indigna da aristocracia, o comércio), admira (por achá-lo ponderado e inteligente), odeia (por invejá-lo por sua beleza, por seu charme, por sua visão de mundo objetiva) e ama (um amor que chega mesmo a ter um quê de atração física - o narrador vira e mexe descreve Bertrand com traços femininos (por exemplo, à p. 235: "Joachim se sentia esgotado: sentou-se à mesa no meio do quarto, olhou para Bertrand, que estava deitado na cama, louro e quase feminino (...)". Por sua vez, Bertrand também despreza Pasenow, a ponto de se declarar para a noiva dele, que também mantém um olhar dúbio para com Bertrand, misto de admiração e receio. Ela chega mesmo a afirmar que, ao renunciarem ambos a ficar juntos, talvez estivessem "cometendo o mais grave dos crimes contra nós mesmos" (p. 223). O romance na verdade mostra a decadência de um mundo, o de Pasenow (ainda preso a convenções sociais, ancorado em relações feudais e profunda e hipocritamente religioso) e o surgimento de outro mundo, o de Bertrand (capitalista, cínico, pragmático), ou, como bem define Bertrand: "(...) na mesma época em que os trens andam e as fábricas trabalham, duas pessoas se colocam uma diante da outra e disparam tiros" (p. 78), referindo-se ao duelo que levou à morte de Helmuth, mas que servirá também para nomear a carnificina que logo depois se chamaria Primeira Guerra Mundial. Definindo o subtítulo do livro, o narrador declara que "é sempre romantismo quando o terreno é elevado à condição de absoluto, o romantismo severo e genuíno dessa época é o romantismo do uniforme" (p. 26-27). Uma excelente reflexão sobre tempos obscuros...


 

Entre aspas:


"A intimidade é a forma mais traiçoeira e no fundo a mais vulgar da conquista." (pág. 150)

"(...) quem peca por piedade mais tarde apresenta a conta mais impiedosa." (pág. 155)



Avaliação: MUITO BOM

(Março, 2020)

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