domingo, 31 de maio de 2020

O regresso do soldado (1918)
Rebecca West (1892-1983) - INGLATERRA        
Tradução: José Miguel Silva              
Lisboa: Relógio D'Água, 2009, 107 páginas


Estamos em 1916. Jenny e Kitty vivem em Baldry Court, numa enorme e aristocrática propriedade rural, não muito longe de Londres, aguardando ansiosas os desdobramentos dos combates da Grande Guerra, para que o capitão Chris Baldry, o jovem primo e marido, respectivamente, volte finalmente para casa. Um dia, elas recebem a estranha visita de Margaret Grey, uma mulher que mora não muito distante, em Wealdstone, um lugar onde "todas as ruas são compridas, vermelhas e conectadas aos viadutos do caminho-de-ferro, e as chaminés vermelhas e angulosas das fábricas arruínam por completo a linha do horizonte" (p. 54). Margaret informa que Chris está hospitalizado em Boulogne, na França, e que sofrera um "choque nervoso", que apagou todas as suas lembranças dos últimos quinze anos. Por isso, inclusive, ela soube do incidente antes que a mulher e a prima: ele enviara um telegrama para o antigo endereço de Margaret, naquela época de sobrenome Allington, por quem fora apaixonado quinze anos antes, dando conta dos acontecimentos. Chris então retorna, mas com sua memória congelada quando tinha 21 anos e Jenny era "apenas uma antiga companheira de brincadeiras" e Kitty, com quem tinha se casado dez anos atrás, "uma estranha que de algum modo se tornara uma presença decorativa em sua casa" (p. 78). Chris pede para reencontrar Margaret, desprezada por ambas pela sua pobreza, pela sua fealdade - e Kitty e Jenny permitem, acreditando que isso poderá, de alguma maneira, curá-lo. Pouco a pouco, Jenny, que narra a história, vai percebendo quão bonita havia sido aquela paixão do primo pela filha do estalajadeiro de Monkey Island. Quanto mais  cresce o idílio, mais Kitty, uma personagem fria, distante e egocêntrica, passa a odiar Margaret, e Jenny, a admirá-la. Até que, após ser submetido a diversos médicos, finalmente o doutor Gilbert Anderson, um psiquiatra que possui claras referências à ainda recente psicanálise, convence as mulheres que o inconsciente de Chris, por causa de um trauma de guerra, paralisara suas lembranças aos 21 anos, porque rejeitava toda a sua vida posterior: os negócios de extrativismo mineral que teve que assumir com o falecimento do pai para "prover às necessidades de toda uma parentela feminina, uma turba de mulheres totalmente inúteis, quer ao estilo antigo, como ornamento de cadeiras, quer ao moderno, com acompanhantes no golfe" (p. 13); o casamento com Kitty; a morte do filho, Oliver, aos dois anos, de causas desconhecidas. E para fazê-lo voltar à realidade, o doutor Anderson espera contar com ajuda de Margaret. Porém, ela titubeia, pois sabe que trazer Chris à normalidade é, também, encarcerá-lo na infelicidade de uma vida conjungal superficial, que ele detesta, é confrontá-lo com a dor da perda do filho, é empurrá-lo de volta aos campos de batalha (a guerra se estenderia ainda por mais dois anos). E, por fim, para Margaret, é terminar com aqueles momentos de encantamento que, embora irreais, recuperam sua juventude, é expô-la de novo à sua vida insípida com um marido bom, mas fracassado. No entanto, Margaret leva para Chris, a pedido do médico, objetos do quarto que havia permanecido intacto do filho morto, o que o faz recuperar a memória, para gáudio de Kitty, que recupera a vida superficial a que havia se moldado. Ou, como afirma Jenny: "Nós duas não sofremos qualquer transformação, pois somos aquilo que somos e nada mais. Toda a verdade a nosso respeito se resume na nossa aparência física" (p. 80). Maravilhosa história - mas também maravilhosa metáfora de uma Europa dilacerada pela guerra, procurando esquecer a realidade e fixar-se num momento anterior, quando a vida, mais amena, nem de longe parecia antecipar a catástrofe que se aproximava... 


Curiosidade:

À pág. 17, talvez por erro de revisão, o personagem, que se chama Chris todo o tempo, é nomeado como Charles...


 Avaliação: OBRA-PRIMA

(Maio, 2020)

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