sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Frankenstein (1818)

Mary Shelley (1797-1851) - INGLATERRA

 Tradução: Santiago Nazarian 

Rio de Janeiro: Zahar, 2017, 246 páginas




A grande literatura é aquela permeável às mais variadas interpretações, por ser uma apropriação subjetiva da realidade, e não uma submissão objetiva aos fatos que a constituem. Esse romance é um exemplo bastante eloquente dessa assertiva. Um leitor ingênuo pode compreendê-lo como a história de um monstro construído por um jovem cientista ambicioso, que, após dar vida à sua criatura, perde o controle sobre suas ações  - uma vertente, digamos assim, gótica da história literária... Mas, claro, essa é apenas uma, e a primeira, camada da narrativa, que, ao fim e ao cabo, possui outras, inúmeras outras. A cada releitura desta obra, o leitor se depara com uma nova possível interpretação. O jovem cientista, Victor Frankenstein, vive uma vida burguesa e saudável em Genebra, tendo como único trauma a morte da mãe, no parto de seu irmão caçula, William. Mas, por conta da situação financeira e também pelo amor que os cerca, a família Frankenstein supera os problemas - além do pai, de Victor e de William e mais um irmão, chamado Ernest, com eles ainda vive Elizabeth Lavenza, adotada como uma espécie de prima não consanguínea, e Justine Moritz, agregada. Ao chegar a época de entrar para a universidade, Victor transfere-se para Ingolstad, na Alemanha, e apaixona-se pela filosofia natural - campo do conhecimento precursor das ciências naturais. No decorrer de seus estudos, Victor torna-se obcecado por uma ideia: dar vida a um ser inanimado, ou seja, descobrir o "elixir da vida", com o objetivo de "alcançar a glória", banindo "a doença da constituição humana" e tornando o homem "invulnerável a qualquer morte que não a violenta" (p. 48). Mas, no momento mesmo em que consegue esse feito, assusta-se com sua abominável criação,  "um ser de estatura gigantesca: de cerca de dois metros e quarenta de altura e proporcionalmente largo" (p. 61); "a pele amarela mal encobria a atividade dos músculos e das artérias; o cabelo era comprido e de um preto lustroso; os dentes, de um branco perolado; mas esses luxos só formavam um contraste mais horrendo com os olhos aguados, que pareciam quase da mesma cor dos buracos acinzentados  nos quais estavam cravados, e com a compleição enrugada e lábios pretos retos" (p. 65). Desprezada, a criatura desaparece. Seis anos depois, de volta a Genebra, após concluir suas experiências, Victor é recebido com a notícia do assassinato de William, pelo qual a agregada Justine é acusada. Mas, o que no início era desconfiança, passa a ser certeza: Victor sabe que o responsável pelo crime é o ser por ele criado... E, no entanto, não pode denunciá-lo, porque ninguém acreditaria numa história tão inverossímil, e porque denunciá-lo, caso acreditassem, seria denunciar-se também... Justine é julgada e condenada à morte - e começa então para o protagonista uma época de culpa e autopunição. Um dia, passeando pelas escarpas das montanhas suíças, Victor se depara com o monstro e fica sabendo de seus infortúnios: inicialmente aberto ao amor e à compaixão, é por todos afugentado pro causa de suas deformidades. E, pouco a pouco, o seu desejo de enlaçar-se com os outros seres humanos torna-se "rancor e amargura" (p. 148) e transforma-se em ódio pela maldição eterna a que está condenado e desejo de vingança contra seu criador. Por isso, ele mata o irmão caçula de Victor e incrimina uma pessoa inocente. O monstro faz uma proposta a Victor: caso ele crie uma fêmea para lhe servir de companhia, promete renunciar para sempre ao convívio humano. Victor aceita a proposta e parte, primeiro para Londres, junto com o amigo Henry Clerval, depois sozinho para um canto perdido da Escócia. Numa cabana nas Ilhas Órcades, ele se prepara para criar a fêmea, mas percebe o risco que a Humanidade corre, caso o monstro não cumpra sua palavra. E então desafia a criatura, recusando-se a a continuar sua ação. O monstro promete vingar-se e mata seu amigo Clerval. Após um longo período doente, Victor volta para Genebra e se casa com Elizabeth. Mas, claro, o monstro mata a sua amada no dia das núpcias. Tomado de horror e de cólera, Victor, após acompanhar a agonia do pai, que sucumbe ao desgosto, toma a sia a tarefa de exterminar a sua criação. O monstro foge para o Oceano Ártico, sempre com Victor em seu encalço - a vida de um encontra-se para sempre atrelada à vida do outro... Victor acaba falecendo e o monstro desaparece na imensidão gelada... É uma história de punição para aqueles que se arvoram a deuses - narrativa sobre os fantasmas que nos perseguem, nos sufocam, nos matam...
 


AVALIAÇÃO: OBRA-PRIMA

(Setembro, 2020)

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