sexta-feira, 29 de março de 2019

Bom-Crioulo (1895)
Adolpho Caminha (1867-1897BRASIL 
Rio de Janeiro: Artium, 1997, 138 páginas




Este romance inaugura vários temas, ao mesmo tempo, na literatura brasileira. É o primeiro a tratar da vida dos marinheiros - curiosamente, embora possua uma costa imensa, o mar tem pouquíssima presença no imaginário nacional. É o primeiro a tratar, de maneira direta, da questão da homossexualidade masculina. É o primeiro a tratar, de maneira direta, da questão da pedofilia. E é um dos primeiros a ter um afrodescendente como protagonista. Amaro é um "negro fugido" que, vindo de algum lugar do interior do Brasil, surge no Rio de Janeiro e se engaja na Marinha. Apesar dos horríveis castigos a que eram submetidos os marinheiros, "a disciplina militar, com todos os seus excessos, não se comparava ao penoso trabalho da fazenda, ao regime terrível regime do tronco e do chicote (p. 38). Amaro tinha um caráter "tão meigo que os próprios oficiais começaram a tratá-lo por Bom-Crioulo" (p. 39) - mas, quando "de longe em longe sorvia o seu gole de aguardente", tornava-se uma "fera desencarcerada" (p. 34). Aos 30 anos, Amaro, "marinheiro de segunda classe" (p. 42), mostra-se "esquecido e indiferente" (p. 42), perdido que está de amores pelo grumete Aleixo, "um belo marinheirito de olhos azuis" (p. 34), de 15 anos, "filho de uma pobre família de pescadores" de Santa Catarina (p. 44), com quem serve na mesma corveta. "Nunca experimentara semelhante cousa" (p. 43), mas "agora compreendia nitidamente que só no homem, no próprio homem, ele podia encontrar aquilo que debalde procurara nas mulheres" (p. 61). Amaro aluga um quarto numa pensão da rua da Misericórdia, dirigido por uma portuguesa de 40 anos, dona Carolina, onde durante um ano vive uma espécie de idílio com Aleixo. Então, é designado para um servir em outro navio, o que o afasta momentaneamente de Aleixo. Carolina aproveita-se de sua ausência, seduz Aleixo e o faz seu amante. Aleixo, para quem, na companhia de Amaro, "a vida corria-lhe admiravelmente, como um leve barco à feição" (p. 72), passa a abominar o companheiro, "odiando-o quase, cheio de repugnância, cheio de nojo" (p. 100). Embora reconhecesse que "devia-lhe favores", concluía que "não o estimava, nunca o estimara" (p.100). Por sua vez, dona Carolina, que demonstrava afeição por Amaro, "um marinheiro valente - homem para quatro" (p. 67), passa a considerá-lo "um crioulo imoral e repugnante" (p. 116). Após sofrer uma punição violentíssima por ter se embebedado e arrumado uma briga, Amaro é internado no hospital para se tratar. Ali, esquecido de Aleixo, alimenta desejos de vingança. Quando descobre que o amante está amigado com dona Carolina, Amaro, cego de ódio e de ciúme, foge do hospital e mata Aleixo a navalhadas. Narrativa corajosa, ousada, forte.


Curiosidade:

O Autor usa, como sinônimo de hospital, "cemitério de vivos" (p. 126), expressão que servirá de título de um livro inacabado de Lima Barreto (1881-1922), publicado postumamente em 1956.



Avaliação: BOM




(Março, 2019)

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