sábado, 16 de março de 2019

Inocência (1872)
Visconde de Taunay (1843-1899BRASIL 
São Paulo: Editora Três, 1972, 185 páginas





É impressionante o frescor deste romance, publicado ainda nos primórdios da literatura brasileira. Embora classificado como pertencente ao Romantismo (ah, esses escaninhos estúpidos!), o leitor aqui não encontrará uma história descabelada e piegas, como era característico das narrativas desse período, mas sim uma tragédia sertaneja escrita com uma linguagem que, embora presa a alguns regionalismos (necessários para a maior verossimilhança), flui simples e prazerosa. Cirino Ferreira de Campos, "presença agradável, olhos negros e bem rasgados, barba e cabelos cortados quase à escovinha e ar tão inteligente quanto decidido" (p. 29), tem 25 anos, nasceu na então vila paulista de Casa Branca, mas foi criado por um tio em Ouro Preto, onde tirou "carta de farmácia" (p. 33), após um período estudando no famoso Colégio do Caraça. Formado, adentra os sertões, assumindo o papel de médico, granjeando algum nome como curador e milagreiro. Quando a narrativa começa, encontramo-lo chegando num lugarejo de Mato Grosso (hoje seria do Mato Grosso do Sul), algumas léguas além da divisa de Minas Gerais. No caminho, conhece Martinho dos Santos Pereira, mineiro do Paraibuna, que há mais de quarenta anos vive naquela região. Pereira convence Cirino a pousar em sua casa, para cuidar de sua filha, "doente de maleitas" (p. 34). Inocência, 18 anos, órfã de mãe, permanece todo o tempo praticamente escondida dos olhos dos forasteiros, sempre escoltada pelo anão Tico. Sua beleza é "deslumbrante": "Do seu rosto irradiava singela expressão de encantadora ingenuidade, realçada pela meiguice do olhar sereno que, a custo, parecia coar por entre os cílios sedosos a franjar-lhe as pálpebras, e compridos a ponto de projetarem sombras nas mimosas faces. Era o nariz fino, um bocadinho arqueado; a boca pequena e o queixo admiravelmente torneado" (p. 53). Cirino e Inocência apaixonam-se, de imediato. Então, surge outro personagem: o alemão Guilherme Tembel Meyer, um naturalista, "doutor em filosofia pela universidade de Iena" (p.74), que desbrava o interior do Brasil em busca de borboletas. Recomendado por um irmão que Pereira não via há anos, Meyer também instala-se na casa, mas, após ser apresentado a Inocência, desperta uma desconfiança doentia no pai, por seus comentários a respeito da beleza da filha, que, embora cândidos, são interpretados como maldosos. "Com Pereira se dava um fato natural e comezinho nas singularidades do mundo moral. À medida que as suspeitas sobre as intenções do inocente Meyer iam tomando vulto exagerado, nascia ilimitada confiança naquele outro home [Cirino] que lhe era também desconhecido" (p. 91). Pereira passa a seguir todos os passos de Meyer, relaxando com relação a Cirino. O problema é que Inocência estava apalavrada com Manecão Doca, com quem iria se casar em breve. Como única possibilidade de persuadir o pai, Inocência pede a Cirino que procure o padrinho, Antonio Cesario, por quem Pereira tem inteira confiança. Enquanto Cirino  sai em busca de Cesário, Manecão retorna, munido dos documentos necessários. Porém, Inocência recusa-se a casar com ele. Por meio de violência, Pereira percebe que a filha se comprometeu com outro, que pensa ser Meyer. Manecão se propõe a matar o alemão, mas o anão Tico delata Cirino, desfazendo a confusão. Manecão tocaia Cirino e o mata com um tiro de garrucha. Inocência morre, tempos depois, de desgosto. O livro é, para além de uma história de amor impossível, uma crítica veemente à anulação da subjetividade feminina, um tema bastante incomum para a época e para o Brasil, mesmo o Brasil de hoje...


Curiosidade:

O capítulo XVII, O morfético, que ocupa as páginas 112 a 115, e narra a história tristíssima de um tal Garcia, que, sofrendo de hanseníase, larga a família e perde-se pelo mundo para não contaminar nenhum ente querido, é muito semelhante ao conto "Camunhengue", de Valdomiro Silveira (1873-1941), aliás, um ótimo conto.



Avaliação: MUITO BOM


(Março, 2019)

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