quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Um episódio distante (1946-1993) 
Paul Bowles (1910-1999) ESTADOS UNIDOS   
Tradução: José Rubens Siqueira     
Rio de Janeiro: Alfaguara, 2010, 230 páginas





Este volume reúne 13 contos, publicados entre 1946 e 1993, que se passam nas mais diversas parte do planeta. Este fato, que poderia ser simplesmente um capricho, a procura de cenários exóticos para emoldurar as histórias, torna-se, nas mãos do Autor, um elemento fundamental para a consubstanciação das narrativas. Isso porque, em sete dos contos, os protagonistas são norte-americanos imersos em culturas que não dominam, e, portanto, submetem-nas ao escrutínio de um olhar estrangeiro, ignorante. Assim é com o professor universitário sequestrado por tribos berberes  ("Um episódio distante") ou com o casal de irmãos isolados à beira do rio Níger ("Muito longe de casa"), ambos tendo como cenário o deserto do Saara, no Mali; e ainda com a melancólica escritora que se deixa levar para uma aventura adolescente nas montanhas do Marrocos ("Chá na montanha"), os três de boa fatura. Ou então nos excelentes "Parada em Corazón" (descrição do fim de uma relação amorosa em plena lua-de-mel no meio da selva do extremo norte da Colômbia); "Páginas de Cold Point" (relato da descoberta pelo pai da homossexualidade do filho, durante um período de residência num lugar isolado do litoral de Belize); "O pastor Dowe em Tacaté" (o confronto de um pastor pentecostal com nativos das florestas sul-americanas, a quem tenta impingir, sem sucesso, sua religião); e "No quarto vermelho" (o contato com um homem, no Sri Lanka, que guarda no passado um crime terrível).  Dos outros seis contos, que não são protagonizados por norte-americanos, destaco ainda dois ótimos: "Em Paso Rojo", uma aproximação à crueldade e ao preconceito de brancos contra não brancos no interior do México, e "A presa delicada", uma narrativa de violência e vingança entre tribos nômades do deserto, no interior de Marrocos. Os outros quatro, todos passados no Marrocos e protagonizados por personagens árabes ou berberes, são apenas bons: três são relatos de histórias vivenciadas em estado de embriaguez provocado pelo consumo de kif (um narcótico parecido com o haxixe): "Ele da Assembléia", "Allal" e "À beira da água"; o quarto conto é uma pungente história de abandono, "O escorpião".


Curiosidade:


À página 116 o Brasil é citado, quando o pastor Dowe "(do conto "O pastor Dowe em Tacaté") relembra sua vida: "(...) a tarde ensolarada em que o tinha comprado [um estojo de óculos] em uma ruazinha do centro de Havana; os anos agitados nos montes do sul do Brasil (...)". Embora, sinceramente, não seja possível, pelo menos para mim, imaginar o que seriam esses "montes do sul do Brasil"...



Avaliação: MUITO BOM

(Dezembro, 2019)


quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

O tempo e o vento
(Parte I - Volume 1: O Continente) (1949) 
Erico Veríssimo (1905-1975)  BRASIL 
São Paulo: Companhia das Letras, 2005, 413 páginas



Monumental saga sobre a história política do Brasil (sobre sua formação geográfica, econômica, social, política, imaginária) composta por três partes divididas por sua vez em sete volumes. Este primeiro volume da Parte I descreve as trágicas aventuras dos primeiros colonizadores do atual estado do Rio Grande do Sul, desde seus primórdios, em 1745, quando nasce na missão de São Miguel um índio chamado Pedro. Em 1756, Pedro conseguirá fugir da destruição da missão jesuítica (uma das que formavam os chamados Sete Povos das Missões) e acaba, muitos anos  depois, dando os costados na pequena estância de Maneco Terra e sua família, gente vinda de Sorocaba, no estado de São Paulo (história contada em "A fonte"). Após ser tratado de um ferimento provocado por bala, Pedro é aceito como agregado. Ali trabalha no eito, junto com Maneco e seus dois filhos, Horácio e Antônio, enquanto a mulher, dona Henriqueta, e a filha, Ana, cuidam do serviço doméstico. Pedro e Ana se apaixonam, ela engravida, e esse amor impossível (afinal, Pedro é um índio) acarreta uma sentença de morte para Pedro, executada pelos dois filhos de Maneco. Mais tarde, Ana assistirá a chegada de um bando de castelhanos na estância, que mata Maneco e um dos filhos, Antônio (o outro, Horácio, vivia de comércio em Rio Pardo) e a estupra várias vezes - mas conseguirá salvar ilesos a cunhada e sobrinha, Eulália e Rosa, e seu filho, também nomeado Pedro. Sozinha, Ana decide deixar aquele lugar inseguro e parte, em 1790, com o filho, a cunhada e a sobrinha, para uma estância distante, Santa Fé, pertencente ao coronel Ricardo Amaral (história contada em "Ana Terra"). Muitos outros anos se passam. A neta de Ana Terra, Bibiana, vive com o pai, Pedro, e o irmão Juvenal, em Santa Fé, agora um povoado. Moça bonita, rejeita a corte de vários rapazes, inclusive de Bento Amaral, neto do coronel Ricardo Amaral, mandatário de toda a região. Em fins de outubro de 1828, chega o coronel Rodrigo Severo Cambará, "olhos de águia, insolente e simpático" (p. 362), um fanfarrão disposto a assentar praça no lugar. Rodrigo acabará apaixonando-se por Bibiana, e na festa de casamento de Rosa, prima de Pedro, com um moço de Porto Alegre, é desafiado para um duelo com Bento Amaral. Rodrigo consegue marcar à faca o rosto de Bento, mas é traído por ele, que acerta um tiro em seu peito, colocando-o entre a vida e a morte. Quando se recupera, pede ao padre Lara que interceda junto a Pedro Terra para que ele aceite o seu pedido de casamento com Bibiana. Contrariado, Pedro cede, e Bibiana e Rodrigo se casam. Ele resolve abrir um armazém junto com o cunhado, Juvenal, mas ao longo de sua vida em comum com Bibiana não consegue domar seu estado natural de levar uma vida de brigas, de jogo, de mulheres, de confusão. E a tudo Bibiana aceita, enquanto vai engravidando: primeiro, de Bolívar, depois de Anita, depois de Leonor. Um dia, em 1835, Rodrigo adere entusiasmado às tropas revolucionárias, chamadas farroupilhas, e desaparece, até voltar a Santa Fé e ser morto, durante o assalto ao casarão de Bento Amaral, que permanecera fiel ao governo central (história contada em "Um certo capitão Rodrigo"). Entremeando as histórias - usando de forma magnífica a técnica do contraponto - o Autor conta a história de um outro cerco a um outro sobrado num outro tempo, 1895. Dividida em quatro partes, "O Sobrado" conta a história da resistência de Licurgo Terra Cambará, filho de Bolívar e portanto neto do capitão Rodrigo, "intendente e chefe político republicano" de Santa Fé (p. 22), em seu sobrado, às forças federalistas comandadas pelo coronel Alvarino Amaral, neto de Bento Amaral. Dentro do Sobrado, sem água, sem comida, quase sem munição, a mulher de Licurgo, Alice, dá à luz uma criança morta. Com ele, além de alguns poucos correlegionários, estão a cunhada, Maria Valéria, o sogro, Florêncio, e os dois filhos pequenos, Rodrigo e Turíbio. Muito mais que contar a história de guerras e de heroísmos viris, "O Continente" é a narrativa do destino das mulheres da família Terra, como resume Ana: "fiar, chorar e esperar" (p. 305). E o pensamento do dúbio padre Lara sobre a História serve de guia à saga e fica como reflexão para os tempos que correm: "Não deixava de ser curioso a gente ver a história no momento mesmo em que ela estava sendo feita! (...) As pessoas dificilmente contavam as coisas direito. Mentiam por vício, por prazer ou então alteravam os fatos por causa de suas paixões. (...) Como é então que a gente podia ter confiança na história?" (p. 349)


Avaliação: MUITO BOM

(Dezembro, 2019)

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

As surpreendentes aventuras
 do Barão de Munchausen (1785-1793) 
Rudolf Erich Raspe (1736-1794) -  INGLATERRA 
Tradução: Claudio Alves Marcondes     
São Paulo: CosacNaify, 2014, 208 páginas




Este livro traz à tona duas importantes reflexões. A primeira é a de que a boa literatura se desgarra facilmente das imposições do mercado editorial. Estas aventuras, concebidas e destinadas ao público juvenil (pelas editoras), com certeza são muito mais aproveitadas pelos adultos, que se divertem com as irreverentes narrativas absurdas contadas por um grande mistificador, na primeira parte... E aqui vem a segunda reflexão: quase sempre o sucesso não se repete quando se tenta recriá-lo. A segunda parte deste livro, que, em geral, não é publicada junto com a primeira, não guarda quase nada do original, porque o que era frescor e inventividade torna-se artifício e maneirismo. Na primeira parte, temos uma série de episódios "vividos" pelo Barão de Munchausen, que se passam em lugares os mais distantes da Europa, sempre inacreditáveis. "Sei bem que tudo isso deve parecer muito estranho. Porém, se a sombra de uma dúvida restar no espírito de alguém, a solução é simples: que ele próprio faça essa viagem, pois vai então constatar o quão fiel à verdade sou como viajante" (p. 91), desafia
-nos o Barão. Assim, suas absurdas aventuras tornam-se apenas divertidas e ingênuas mentiras, contadas para despertar a nossa imaginação. O lobo que puxa trenó, os cinquenta pares de patos atingidos com um único tiro, o casaco de pele que fica louco, as duas viagens à Lua, a visita ao centro do mundo, etc, nos carregam a mundos impossíveis. Na segunda parte, entretanto, o que era imaginação torna-se maçante tentativa de ironizar a trágica colonização da África pelos europeus. Não consegue nem uma coisa, nem outra...


Avaliação: MUITO BOM

(Dezembro, 2019)



quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Os de baixo (1915) 
Mariano Azuela (1873-1952) MÉXICO  
Tradução: Beatriz Bajo    
Taubaté: Letra Selvagem, 2019, 214 páginas


Este romance, que abarca episódios da Revolução Mexicana (1910-1917), não é um épico encomiástico, mas sim uma amarga narrativa desencantada sobre política. Demetrio Macías, um camponês dono de casa, vacas e "um pedaço de terra para plantar" (p. 75),  a quem nada faltava, entra em conflito, por motivo banal, com dom Mónico, latifundiário e chefe político local. Para se vingar, este acusa-o de ser partidário de Francisco Madero, líder oposicionista ao ditador Porfírio Diaz, e coloca tropas federais para agarrá-lo. Demetrio Macias foge para os montes que cercam Zacatecas, estado ao norte do país, e lá junta-se a outros perseguidos, totalizando 26 camponeses em armas, sob sua liderança. Assim, Demetrio Macías torna-se efetivamente revolucionário, filiando-se aos interesses de Pánfilo Natera, por sua vez partidário de Pancho Villa. Pouco a pouco, Macías avança México adentro, acreditando que a revolução "beneficia o pobre, o ignorante, o que toda sua vida foi escravo, os infelizes que nem sequer sabem que se o são é porque o rico converte em ouro as lágrimas, o suor e o sangue dos pobres" (p. 60), como prega retoricamente o estudante de medicina e jornalista Luis Cervantes. O pequeno exército de Macías cresce - num determinado momento conta com mais de 500 homens - e, na medida que o tempo passa, mais e mais vai se tornando parecido com as tropas governamentais, que acossa os camponeses, roubando sua pouca comida, estuprando as mulheres, matando por matar, justificando a propaganda contra-revolucionária que os pintava como "bandidos agrupados (...) com um magnífico pretexto para saciar sua sede de ouro e de sangue" (p. 62). Como explica Alberto Solís, braço-direito de Pánfilo Natera: "há fatos e há homens que não são senão pura bílis... E essa bílis vai caindo gota a gota na alma, e a tudo amarga, a tudo envenena. Entusiasmo, esperança, ideias, alegrias..., nada! Logo não lhe sobra mais nada; ou você se converte em um bandido igual a eles, ou sai de cena, escondendo-se atrás das muralhas de um egoísmo impenetrável e feroz" (p. 95). Apesar de tudo, Demetrio Macías consegue manter-se em parte afastado da barbárie que acomete seus homens. Em parte, porque, se não lhe interessa o saque  - "aparatos de cristal e porcelana; grossos espelhos, candelabros de latão, finas estatuetas, vasilhas" (p. 98), e também "broches, anéis, brincos e outras muitas joias de valor" (p. 127) -, por outro lado, ele subjuga mulheres ao seu prazer, como seus subordinados. Imerso em um confuso cenário de divisões e subdivisões ideológico-partidárias, a luta já não faz muito sentido, como expressa Anastasio Montañes, um dos melhores amigos de Macías: ter "um fuzil nas mãos e as cartucheiras cheias de tiros, seguramente (...) [é] para pelejar. Contra quem? Em favor de quem? Isso nunca importou a ninguém" (p. 156). A decepção com os rumos da revolução é enorme: "lástima de tanta vida ceifada, de tantas viúvas e órfãos, de tanto sangue derramado (...) Para que alguns vigaristas se enriqueçam e tudo fique igual ou pior que antes" (p. 77).  Após dois anos de luta, Macías volta à sua casa, reencontra sua mulher e seu filho, mas parte novamente, porque a revolução "é o furacão, e o homem que se entrega a ela não é mais o homem, é a miserável folha seca arrebatada pelo vendaval" (p. 96). Fica a lição interessantíssima de como, em nome dos mais nobres ideais, pode-se cometer as maiores atrocidades.



Entre aspas :


"(...) deuses caídos nem são deuses nem são nada". (p. 160)



Avaliação: MUITO BOM

(Novembro, 2019)



terça-feira, 26 de novembro de 2019

Os filhos dos dias (2012) 
Eduardo Galeano (1940-2015) - URUGUAI  
Tradução: Eric Nepomuceno     
Porto Alegre: L&PM, 2012, 430 páginas





Este livro emula, ironicamente, aqueles calendários que trazem informações relativas a cada dia do ano. Só que, ao invés de dicas culinárias, noções de agricultura, panegíricos de heróis nacionais, notícias hagiográficas, relata fatos da história da Humanidade do ponto de vista dos derrotados, algo que o Autor já fizera em sua monumental "As veias abertas da América Latina" (1971). Assim, de 1º de janeiro (onde questiona o próprio calendário cristão ocidental) até 31 de dezembro (onde explica o significado da palavra hebraica abracadabra), o Autor desfila, em textos brevíssimos (de uma página apenas), vários momentos - épicos, patéticos, indignantes, hilários, etc - em que os homens e mulheres foram protagonistas de uma história alternativa. 





Avaliação: MUITO BOM

(Novembro, 2019)

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

A meia-noite (1917) 
Ramón del Valle-Inclán (1866-1936) ESPANHA  
Tradução: Pedro Ventura    
Porto: Assírio & Alvim, 2018, 108 páginas




Relato lítero-jornalístico sobre a I Guerra Mundial, que impressiona pela descrição de alguns episódios traumáticos, como, por exemplo, a cena em que uma jovem francesa, violada por soldados alemães, encontra-se grávida e diz para o médico: "Doutor, eu não quero ter um filho dos bárbaros!... (...) Se não me liberta desta cadeia, mato-me!" (p. 61). Aliás, é este médico que traduz, com precisão, o que é a guerra: "É a barbárie atávica que se impõe" (p. 59). O Autor não esconde sua simpatia pelos aliados: "Para os soldados franceses, o sentimento da dignidade humana enraíza-se com o ódio às hierarquias", e, portanto, eles não compreendem "aqueles soldados chatos e brutais que cantam como selvagens, que suportam o chicote dos oficiais, que são escravos numa terra onde ainda existem castas e reis" (p. 75). É curioso que, apesar de se mostrar sensível aos absurdos da guerra - "Esse momento frio e cinzento, em que o soldado, ao cair das trevas da noite, vê à sua volta os companheiros mortos, as metralhadoras despedaçadas, a trincheira desmoronada, é o mais deprimente da guerra" (p. 80-81) -, o Autor ao mesmo tempo demonstra certo fascínio por ela: "A guerra possui uma arquitetura ideal, que apenas os olhos do iniciado podem alcançar, e assim está cheia de mistério telúrico e de luz" (p. 89). 



Avaliação: BOM

(Novembro, 2019)

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Os vendedores de cigarros 
da Praça Três Cruzes (1962) 
Joseph Ziemian (1922-1971) POLÔNIA  
Tradução: Jacob Lebensztayn   
São Paulo: Três Estrelas, 2019, 210 páginas





Este livro - espécie de reportagem-documentário-memória - é a prova cabal daquele axioma do escritor italiano Luigi Pirandello (1867-1936), que, no posfácio de seu romance mais conhecido, O falecido Mattia Pascal (1904), anotou: "Os absurdos da vida não precisam parecer verossímeis porque são verdadeiros. Ao contrário dos da arte que, para parecerem verdadeiros, precisam ser verossímeis". Tivesse o Autor querido transformar em romance a "epopéia" das "vinte e poucas crianças" (p. 203) judias que, passando-se por  arianas, vendiam cigarros na Praça Três Cruzes, em Varsóvia, durante a ocupação da Polônia pelos nazistas alemães, simplesmente teria fracassado, pois a história que conta nesse livro é absolutamente inverossímil. No entanto, o Autor limitou-se a expor, como documento, a história de um grupo de meninos e meninas que encontrou vagando pelas ruas de Varsóvia, sobreviventes da deportação para o campo de extermínio de Treblinka, em julho de 1942, e do levante do Gueto no início de 1943. No outono de 1943, o Autor, munido de um "documento de identidade concedido pelas autoridades alemãs, e um Ausweis, comprovante de trabalho", ambos falsos (p. 16), militava, clandestinamente, no Movimento de Resistência Judaico. que, além de funcionar como uma rede de combate armado contra os alemães, atuava para auxiliar os que estavam na clandestinidade, com roupas, dinheiro, alimentos e moradia. Sabendo que "sobreviver na selva da ocupação exigia energia e sagacidade" (p. 17), o Autor aproxima-se das crianças e pouco a pouco ganha a confiança delas, tornando-se uma espécie de protetor. Encontra-se tão fascinado com o que descobre, que passa a anotar o dia a dia desse incrível grupo que, burlando a odiosa milícia nazista e os entreguistas poloneses, consegue se manter vivo até o término da guerra - não todos, mas a grande maioria -, chegando mesmo a, heroicamente, engajar-se, apesar da pouca idade, no movimento de resistência conhecido como Levante de Varsóvia, em 1944.  O livro mostra, de maneira impressionante, a capacidade de resistência dos seres humanos, mesmo colocados em situações-limite - no caso, a ignominiosa barbárie nazista. No fundo, eles precisavam se salvar "para levar o nome da família adiante" (p. 100), como ensina o pai de um dos meninos. Livro imprescindível para os tempos hodiernos, onde grassa a estupidez, o cinismo, a hipocrisia, alimento dos novos extremismos que têm na absoluta falta de empatia o seu motor. 



Avaliação:
Não faz sentido avaliar esse livro, pois não se trata de uma questão estética, e sim de um documento humano, um documento sobre o período mais vergonhoso da história da Humanidade.  


(Novembro, 2019)

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Época de migração para Norte (1966) 
Tayeb Salih (1929-2009) - SUDÃO  
Tradução: Raquel Carapinha   
Amadora: Cavalo de Ferro, 2019, 159 páginas





Este é um romance sobre os impactos da colonização. Após sete anos na Inglaterra, estudando "a vida de um poeta inglês pouco conhecido" (p. 61), o jovem protagonista volta ao Sudão. Em sua aldeia natal, um lugarejo perdido às margens do rio Nilo, ele reencontra parentes e amigos, e se depara com um novo morador, o enigmático Mustafá Said, que, vindo da capital, Cartum, cinco anos antes, comprara "um campo para cultivo, construiu uma casa e casou com a filha de Mahomoud" (p. 14), Husna Bint Mahmoud. Mais tarde, confessará  que a escolha daquela aldeia deu-se por absoluto acaso: "Subi a bordo de um barco, desconhecendo a direção que tomava e, quando desembarcamos nesta terra, o lugar agradou-me" (p. 21). O protagonista acaba se aproximando de Mustafá e, pouco a pouco, vai desvendando a singularíssima história deste homem brilhante - "estranha mescla de força e de fraqueza" (p. 18) -, que, ao tentar estender uma ponte entre duas culturas totalmente diferentes, perde-se ele mesmo no vazio de sua existência, uma pessoa  que, supunha-se, viria a se tornar "alguém à medida dos comissários e dos inspetores e, no entanto, não encontrou sequer um túmulo onde o seu corpo repousasse, em toda a extensão deste país" (p. 58). Filho único de um vendedor de camelos, que ao morrer deixou-o numa situação confortável, Mustafá Said vivia em Cartum, completamente livre: "saía e entrava, brincava fora de casa, vagueava pelas ruas e não havia ninguém que me desse ordens ou impusesse interdições" (p. 29). No entanto, ele se sentia diferente: "Nada me perturbava. Não chorava, quando me batiam; não sentia alegria. quando um professor me elogiava, na sala de aula; não sofria com o que causava sofrimento aos outros" (p. 30). Logo, entendeu que padecia da "doença da errância" (p. 70). Inteligente, agarrou-se aos estudos: após cinco anos em Cartum, é encaminhado para o Cairo, no Egito, onde chega com 12 anos e onde conhece talvez as duas únicas pessoas que tenha amado verdadeiramente, Mr. e Mrs. Robinson. Aos 15 anos, "uma pessoa destituída de alegria" (p. 34), segue para Londres, onde cursará Economia, tornando-se professor na universidade, com apenas 24 anos. Lá, para além de engajar-se na política - torna-se presidente da  Associação da Luta pela Libertação de África e escreve livros em que denuncia "o sofrimento em que viviam os filhos [do Sudão], sob a jurisdição dos ingleses" (p. 141), envolve-se com mulheres, de uma forma absolutamente destrutiva. Usa de seus atributos intelectuais e físicos para atrai-las e massacrá-las - "Pelo simples fato de ter nascido junto a linha do Equador, era considerado um servo por uns, e tomado por um deus, por outros" (p. 105). Três de suas mulheres se matam (Ann Hammond, Sheila Greenwood e Isabella Seymour) e uma, Jean Morris, com quem viria a se casar - primeiro sudanês a casar-se com uma mulher européia (p. 59) -, ele assassina, após um relacionamento conturbadíssimo. "Tudo o que fiz, depois de a ter matado, foi um pedido de desculpas, não por a ter matado, mas pela farsa que era a minha vida" (p. 37), confessa. Cumpre sete anos de prisão, após o que perambula "de Paris a Copenhaga, de Deli a Banguecoque" até ir parar na pequena aldeia na curva do Nilo, onde desaparece durante uma cheia - afogamento provocado por acidente ou suicídio? O protagonista percorre, por espelhamento, um caminho muito parecido. Após voltar para o Sudão, passa a ensinar literatura pré-islâmica numa escola secundária até ser promovido a inspetor do ensino primário, lotado no ministério da Educação, em Cartum. Depois do desaparecimento de Said, sua viúva, pressionada a se casar com um comerciante mais de vinte anos mais velho que ela, acaba matando-o e se matando em seguida. Abalado pela tragédia e dividido entre "muito foi o que aprendi e muito foi o que perdi" (p. 13), o protagonista quase toma a mesma decisão de Mustatá Said. Entra no rio Nilo para morrer, mas no final decide pedir socorro. pois no fundo "sentia que não era uma pluma exposta ao curso dos ventos, mas que, tal como [uma] palmeira, eu tinha uma origem, raízes e um fim" (p. 14). 


Avaliação: MUITO BOM

(Novembro, 2019)

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

O caminho do sacrifício (1918) 
Fritz von Unruh  (1885-1970) ALEMANHA  
Tradução: Manuel Resende  
Lisboa: Antígona, 2014, 174 páginas




Romance sobre a Primeira Guerra Mundial - mais especificamente sobre a Batalha de Verdun, transcorrida ao longo de 1916. Narrado a partir de uma perspectiva expressionista, expõe momentos-chave de um grupo de soldados alemães no front. Não contempla heróis - inclusive, porque não se fixa em nenhum protagonista -, mas sim alguns jovens, idealistas uns, alienados, outros, que terão suas vidas modificadas - ou aniquiladas - pela irracionalidade do conflito. (Há um problema, que também não saberia, talvez, indicar resoluções, que me incomoda na tradução. Os soldados alemães, no início do século XX, falam como fossem portugueses contemporâneos: usam e abusam de expressões informais como "pá" - algo equivalente ao paulistanês "meu" -, "gajo" - equivalente a "cara" -, "gabiru", que significa alguém brincalhão; bebem "bagaço", uma bebida tipicamente portuguesa...).


Avaliação: BOM

(Outubro, 2019)

terça-feira, 22 de outubro de 2019

A justiça de Yerney (1907) 
Ivan Cankar (1876-1918) - ESLOVÊNIA 
Tradução: Conceição Cordeiro Bagagem 
Amadora: Cavalo de Ferro, 2019, 94 páginas





Durante 40 anos, Bartholomew Yerney trabalhou numa fazenda em Betajnova, interior da Eslovênia, na época parte do Império Austro-Húngaro. Com a morte do velho Sitar, Yervey acredita que assumirá a direção do lugar, pois, segundo seu raciocínio, se foi ele a trabalhar a terra, "que produziu frutos maravilhosos", então seria ele o novo dono da fazenda. Evidentemente, o filho de Sitar, Tony, não concorda e expulsa o empregado. Então, Yerney começa uma longa peregrinação em busca do que acredita serem seus direitos. Primeiro, vai ao presidente da Câmara de Betajnova, depois, sucessivamente, a Dolina, capital da província; Ljubliana, capital do país, e então a Viena, capital imperial. Em todos os lugares é recebido com sarcasmo e em Viena é preso e deportado para sua cidade natal, Resje, de onde havia saído ainda criança. Inconformado com a falta de justiça, ele volta a Betajnova, põe fogo na casa da fazenda e acaba linchado pelos outros empregados. Uma bela fábula sobre injustiça social, particularmente na figura do camponês, que, explorado a vida inteira, não tem, no final, nem mesmo terá direito a um lugar digno para morrer. Ou, como explica um sábio a Yerney: "A lei humana diz: 'O Yerney construirá, e quando a construção estiver terminada, o patrão deverá sentar-se à lareira e mostrará a Yerney a porta de saída. O Yerney lavrará e semeará e ceifará, e a colheita será do patrão, enquanto para Yerney ficarão as pedras. O Yerney cortará e desbastará, amontoará o feno e a palha, e quando o palheiro, o celeiro e os estábulos estiverem cheios, o patrão descansará numa cama macia, e o Yerney, no caminho duro. Ambos envelhecerão. Então, o patrão sentar-se-á no canto da lareira, a fumar o cachimbo e a dormitar, e o Yerney esconder-se-á atrás do palheiro e morrerá num monte de feno ou numa estrumeira miserável'" (p. 24). Yerney compreenderá então que "a justiça existe só para aqueles que a fizeram" (p. 47).





Curiosidade:

A literatura finissecular é pródiga em resolver os conflitos com uma grande hecatombe. E, particularmente, adoram terminar os livros com incêndios... É o caso deste "A justiça de Yerney" e é o caso também de pelo menos dois romances brasileiros da época: "O Ateneu", de 1888, de Raul Pompéia (1863-1895), e "O cortiço",  de 1890, de Aluízio Azevedo (1857-1913). 


Avaliação: BOM

(Outubro, 2019)

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

A floresta dos enforcados  (1922) 
Liviu Rebreanu (1885-1944) ROMÊNIA 
Tradução: Celestino Gomes e Vitor Buescu
São Paulo: Paulinas, 1969, 314 páginas

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Romance que tem como pano de fundo o ambiente da Primeira Guerra Mundial, mais especificamente a derrocada do Império Austro-Húngaro e o nascimento das aspirações nacionalistas. Ex-estudante universitário em Budapeste, o tenente Apostol Bologa foi convocado para o exército no começo da guerra, em 1914, e já ganhou três  condecorações por seu comportamento no campo de batalha. "A guerra arrebatou-me aos meus livros,  à Universidade onde eu tinha perdido o contato com a vida real. Mas fui vivamente despertado e apercebi-me que só a guerra era a verdadeira geradora de energias!" (p.17), pensa ele, inicialmente, orgulhoso e entusiasmado. Uma noiva, Marta Domsa, o espera em sua aldeia natal, Parva, na Romênia, e seus superiores o têm em alta conta como soldado e como cidadão. "Não afirmo que nosso Estado seja bom. (...) Mas, desde que ele existe, temos de cumprir nosso dever... Dê-me um Estado melhor, que eu aceito-o. Mas, caso contrário, cairemos na anarquia (...)" (p. 39), ele argumenta. A história começa em 1916 com o enforcamento de um alferes checo, Svoboda, por crime de traição - ele teria sido apanhado na tentativa de desertar. Bologa participou, com orgulho, do conselho de guerra que condenou o alferes à morte. No entanto, ao longo do livro Bologa vai, pouco a pouco, tomando consciência dos horrores da guerra e de sua participação ativa num confronto que é, antes de tudo, uma grande carnificina fratricida sem sentido. As coisas pioram radicalmente quando fica sabendo que será transferido para a Transilvânia e terá que enfrentar seus compatriotas, que se rebelaram e buscam a independência, com a ajuda da Império Russo e dos aliados França e Inglaterra. Bologa irá tentar desertar para o lado dos romenos, mas no momento em que tenta alcançar as linhas inimigas, é atingido por estilhaços de uma granada e recolhido a um hospital. Durante a convalescença  muda radicalmente de opinião a respeito da guerra: "A lei, o dever, o juramento, só valem até o momento em que não impõem um crime à consciência" (p. 114). Na volta à frente de batalha, conhece uma jovem húngara, Ilana, filha do coveiro de uma aldeia, que lhe dá novo alento. Resolve pôr fim ao noivado com Marta Domsa e se compromete em casar com Ilana. Passa a  emular o pensamento de seu pai, Iosif, herói do nacionalismo romeno, preso e morto pelo Estado austro-húngaro e a seguir seus ensinamentos:  "A criança deve compreender desde o princípio que a vida do homem só é preciosa quando ele segue um ideal" (p. 31). Sofre, então, uma crise mística, e, acusado por suas simpatias independentistas, é julgado e condenado à forca, por traição. O romance é muito bom na construção dos impasses de Bologa - no final, ele assume uma postura mística, quase repetindo o martírio de Jesus, ao entregar sua alma a uma causa que considera justa e intransponível.




Avaliação: MUITO BOM

(Outubro, 2019)

domingo, 8 de setembro de 2019


Short cuts - Cenas da vida 
Raymond Carver (1938-1988) - ESTADOS UNIDOS  
Rio de Janeiro: Rocco, 1994, 179 páginas




Este volume, que reúne 10 contos, escolhidos pelo cineasta Robert Altman, retrata excelentemente bem o universo típico do Autor e sua visão de mundo. As histórias contemplam, na maioria das vezes, famílias de classe média, preocupadas com questões bastante concretas, ligadas à sobrevivência mais comezinha. As narrativas flagram momentos singulares de suas vidas cinzentas, ou seja, situações em que a precária estabilidade - financeira, emocional - parece desmoronar. O curioso é que, para o Autor, esses instantes - que James Joyce (1882-1941) chamava de epifanias, termo tomado do vocabulário religioso - não são iluminações que transformam o sujeito, como compreendido pelo Autor irlandês, mas, ao contrário, apenas evidenciam a terrível armadilha ontológica na qual o ser humano está preso. Ou, como afirma Claire, protagonista de "Tanta água tão perto de casa": "(...) certas coisas à nossa volta vão modificar-se, ficar mais fáceis ou mais difíceis (...), mas nada vai ser realmente diferente, nunca mais. (...) Tomamos nossas decisões, pusemos nossas vidas em movimento, e elas vão seguir e seguir adiante até parar. (...) até que um dia acontece uma coisa que deveria modificar alguma coisa, mas aí a gente vê que no final nada vai mudar" (p. 88). Essa verdade, talvez, seja ainda mais terrível, porque, vista desta maneira - e todos os contos projetam esse ponto de vista - é como se estivéssemos vivendo uma vida inautêntica, como se fôssemos meros atores  representando papéis previamente escritos por outro - Deus? O Destino? Assim, o que resta de felicidade é a idealização de um passado, como no conto "Jerry, Molly e Sam": "Al gostaria de poder ir em frente, dirigindo o carro sem parar, a noite inteira, até que fosse sair nos paralelepípedos da velha rua principal de Toppenish, virar à esquerda no primeiro sinal, depois virar à esquerda de novo, parar quando chegasse ao lugar onde sua mãe vivia, e nunca, nunca mais, por nenhuma razão no mundo, sair de lá outra vez" (p. 144). As soluções dadas para essas vidas apagadas podem parecer, numa primeira visada, positivas, pois à exceção de um conto - "Diga às mulheres que a gente já vai" - ocorre, após a crise, uma rearrumação das coisas, portanto, não há rupturas. Mas trata-se de uma falsa premissa - é como numa tempestade: depois que passa, constatamos que a paisagem permanece a mesma, mas no fundo sabemos que não é verdade. Houve mudanças substantivas na essência, embora a aparência continue a mesma. E, neste caso, nem mesmo a morte é solução, já que, como afirma Howard Sears, de "Limonada": "(...) morrer é para os puros (...)" (p. 177). 





Avaliação: OBRA-PRIMA

(Setembro, 2019)

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

A aranha negra (1842) 
Jeremias Gotthelf (1797-1854) SUÍÇA    
São Paulo: Editora 34, 2017, 167 páginas





Durante as festividades de um batizado, um homem relembra, para os convidados, um episódio ocorrido há mais de 400 anos na aldeia em que vivem, Sumiswald, nos Alpes suíços. Hans von Stoffeln, da Ordem dos Cavaleiros Teutônicos, senhor daquelas terras, age de forma tirânica com relação a seus súditos. Um dia, ele resolve construir num novo castelo, em local ermo, e exige, por capricho, que os camponeses transplantem, em um mês, cem faias (um tipo de árvore) de uma montanha próxima, para sombrear o caminho que levava à aldeia. Trata-se de um trabalho impossível, mas von Stoffeln não admite perder a aposta que fizera com os outros cavaleiros que dividem com ele  a sua morada, sob a ameça de, se não cumprida a tarefa, "açoitá-los até que não se veja mais um centímetro de suas peles, e aos cachorros jogo as mulheres e crianças" (p. 43). Então, durante as discussões sobre como levariam a efeito aquela missão insana, surge diante dos camponeses um "caçador vestido de verde", "sobre a boina atrevida balançava uma pena vermelha, no rosto escuro flamejava uma barbicha também rubra e entre o nariz recurvado e o queixo proeminente, quase invisível como uma caverna sob rochas amontoadas, (...) uma boca" (p. 44), ou seja, o próprio Diabo, que se propõe a realizar, por eles, o serviço, em troca de um bebê não batizado. Os camponeses refutam a ideia e tentam realizar o encargo sozinhos, sem sucesso. Cristina, uma "estrangeira" (era alemã, da Bavária), vai ao encontro do Diabo e, em nome dos aldeãos, aceita a oferta, pensando, ao fim, poder ludibriá-lo. E assim ocorre. O Diabo transplanta as cem faias para o castelo e vem exigir a contrapartida. mas os camponeses conseguem enganá-lo, batizando os bebês assim que as mães dão à luz. Então, Cristina é amaldiçoada e se transforma numa enorme aranha negra que com seu veneno dizima a população, desde os camponeses até os cavalheiros do castelo. Ao fim, quando restam poucos moradores na aldeia, a aranha dirige-se à casa onde havia um recém-nascido, ainda pagão. Disposta a tudo para proteger o bebê, a jovem mãe prepara uma armadilha - "Ela abriu um orifício na ombreira da janela (...) providenciou um botoque [uma espécie de rolha] que vedava bem o orifício, consagrou-o com água benta, colocou um martelo ao lado (...)'' (p. 97), e, com essa artimanha, consegue capturar a aranha, e então "a morte negra chegou ao fim" (p. 99). Os habitantes daquela região, camponeses e cavaleiros, mudam seu comportamento, "apegavam-se a Deus e fugiam do Diabo" (p. 103). Mas o tempo passa e pouco a pouco, quase duzentos anos depois, eles entregam-se de novo à devassidão. Numa festa orgíaca, um servo, "num acesso de desvario" (p. 114), liberta a aranha negra e tudo recomeça, agora com muito mais mortandade. Até que Cristiano, um descendente daquela jovem mulher que havia capturado antes a aranha, consegue aprisioná-la outra vez. Impressionante alegoria sobre a peste negra, que devastou aquela região nos séculos XIII e XV, traz ainda uma mensagem muitíssimo adequada aos dias que correm, particularmente no Brasil: quando fazemos um pacto com o Diabo, não adiantar tentar fugir à nossa responsabilidade, ele virá cobrar a sua parte, e todos sabemos que o Diabo cobra caríssimo...





Entre aspas

"(...) a culpa por uma única alma pesa mil vezes mais do que a salvação de milhares e milhares de vidas humanas". (pág. 57)


Avaliação: MUITO BOM


(Setembro, 2019)

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Contos da montanha (1941) 
Miguel Torga (1907-1995) - PORTUGAL   
Coimbra: Edição do Autor, 2014, 328 páginas





Este livro reúne 23 contos, que, ao fim e ao cabo, pertencem a um subgênero narrativo que não me agrada ou pelo menos não me fascina, a do conto anedótico, ou, talvez, possamos chamar de caso. À anedota, ou caso, pouco importa a complexidade dos personagens,  em geral rasos, mas sim o desfecho do que vai contado. Por isso, a história desenvolve-se em linguagem simples (por vezes, apelando a regionalismos e localismos, para conseguir maior efeito de veracidade), e com um final fechado, para que não restem dúvidas a respeito do sentido do enredo. A estrutura lembra um pouco a do soneto com chave de ouro, em que todos os versos são construídos com a única finalidade de exibir uma forte imagem derradeira. Se são bem escritos - e são - os contos no entanto são previsíveis e não oferecem ao leitor nenhum desafio, de qualquer natureza. Os personagens - na verdade, tipos das montanhas do norte de Portugal - comportam-se como uma espécie de títeres nas mãos do Autor e deles não esperamos nada mais do que cumpram o papel previamente destinado a eles.


Avaliação: BOM


(Setembro, 2019)