sexta-feira, 6 de setembro de 2019

A aranha negra (1842) 
Jeremias Gotthelf (1797-1854) SUÍÇA    
São Paulo: Editora 34, 2017, 167 páginas





Durante as festividades de um batizado, um homem relembra, para os convidados, um episódio ocorrido há mais de 400 anos na aldeia em que vivem, Sumiswald, nos Alpes suíços. Hans von Stoffeln, da Ordem dos Cavaleiros Teutônicos, senhor daquelas terras, age de forma tirânica com relação a seus súditos. Um dia, ele resolve construir num novo castelo, em local ermo, e exige, por capricho, que os camponeses transplantem, em um mês, cem faias (um tipo de árvore) de uma montanha próxima, para sombrear o caminho que levava à aldeia. Trata-se de um trabalho impossível, mas von Stoffeln não admite perder a aposta que fizera com os outros cavaleiros que dividem com ele  a sua morada, sob a ameça de, se não cumprida a tarefa, "açoitá-los até que não se veja mais um centímetro de suas peles, e aos cachorros jogo as mulheres e crianças" (p. 43). Então, durante as discussões sobre como levariam a efeito aquela missão insana, surge diante dos camponeses um "caçador vestido de verde", "sobre a boina atrevida balançava uma pena vermelha, no rosto escuro flamejava uma barbicha também rubra e entre o nariz recurvado e o queixo proeminente, quase invisível como uma caverna sob rochas amontoadas, (...) uma boca" (p. 44), ou seja, o próprio Diabo, que se propõe a realizar, por eles, o serviço, em troca de um bebê não batizado. Os camponeses refutam a ideia e tentam realizar o encargo sozinhos, sem sucesso. Cristina, uma "estrangeira" (era alemã, da Bavária), vai ao encontro do Diabo e, em nome dos aldeãos, aceita a oferta, pensando, ao fim, poder ludibriá-lo. E assim ocorre. O Diabo transplanta as cem faias para o castelo e vem exigir a contrapartida. mas os camponeses conseguem enganá-lo, batizando os bebês assim que as mães dão à luz. Então, Cristina é amaldiçoada e se transforma numa enorme aranha negra que com seu veneno dizima a população, desde os camponeses até os cavalheiros do castelo. Ao fim, quando restam poucos moradores na aldeia, a aranha dirige-se à casa onde havia um recém-nascido, ainda pagão. Disposta a tudo para proteger o bebê, a jovem mãe prepara uma armadilha - "Ela abriu um orifício na ombreira da janela (...) providenciou um botoque [uma espécie de rolha] que vedava bem o orifício, consagrou-o com água benta, colocou um martelo ao lado (...)'' (p. 97), e, com essa artimanha, consegue capturar a aranha, e então "a morte negra chegou ao fim" (p. 99). Os habitantes daquela região, camponeses e cavaleiros, mudam seu comportamento, "apegavam-se a Deus e fugiam do Diabo" (p. 103). Mas o tempo passa e pouco a pouco, quase duzentos anos depois, eles entregam-se de novo à devassidão. Numa festa orgíaca, um servo, "num acesso de desvario" (p. 114), liberta a aranha negra e tudo recomeça, agora com muito mais mortandade. Até que Cristiano, um descendente daquela jovem mulher que havia capturado antes a aranha, consegue aprisioná-la outra vez. Impressionante alegoria sobre a peste negra, que devastou aquela região nos séculos XIII e XV, traz ainda uma mensagem muitíssimo adequada aos dias que correm, particularmente no Brasil: quando fazemos um pacto com o Diabo, não adiantar tentar fugir à nossa responsabilidade, ele virá cobrar a sua parte, e todos sabemos que o Diabo cobra caríssimo...





Entre aspas

"(...) a culpa por uma única alma pesa mil vezes mais do que a salvação de milhares e milhares de vidas humanas". (pág. 57)


Avaliação: MUITO BOM


(Setembro, 2019)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.