quarta-feira, 27 de abril de 2016

Viagem à roda do meu quarto (1794) 
Expedição noturna à roda do meu quarto (1825)
Xavier de Maistre (1763-1852) - França    
Tradução: Marques Rebelo      
São Paulo: Estação Liberdade, 1989, 160 páginas 




Os dois opúsculos são uma espécie de paródia às viagens de exploração a mundos desconhecidos, comuns no século XVIII. O narrador, proibido de "percorrer uma cidade, um ponto" (p. 77) por razões que, embora não fiquem claras, estão ligadas a motivos políticos, resolve empreender uma excursão pelo "universo inteiro" que representa seu quarto, tendo como companhia apenas seu criado Joanetti e sua cadela Rosina. Se na primeira parte trata de preencher quarenta e dois dias de solidão e exílio, na segunda parte, escrita trinta anos mais tarde, "sem pátria" e "sem emprego" (p. 83), descreve o período de apenas uma noite no mesmo cômodo de outrora. Irônico, bem-humorado, crítico, somos apresentados aos objetos que compõem o quarto e, entre um passo e outro, o narrador faz comentários sobre temas que associa de maneira aleatória, em um prenúncio do que viria a ser conhecido no final do século XIX como "fluxo de consciência". Tudo que observa motiva uma reflexão, e se outros propuseram peregrinar para vistoriar o mundo de fora, Xavier de Maistre nos convida a uma jornada para dentro. Talvez o maior mérito desta obra seja o legado a Machado de Assis (1839-1908), que, influenciado por seu estilo tortuoso e por suas tiradas metafísicas, meteu-lhe "algumas rabugens de pessimismo", como anotaria nas Memórias póstumas de Brás Cubas.









Avaliação: BOM 

(Abril, 2016)


Entre aspas

"(...) a paixão obscurece a inteligência (...)" (p. 65)






domingo, 17 de abril de 2016


Os melhores contos fantásticos (2006
 Organização: Flávio Moreira da Costa
Vários tradutores              
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, 793 páginas 



Um dos problemas desta antologia é a indefinição sobre o conceito de fantástico. Assim, nos deparamos com relatos esquizofrênicos, paranoicos e oníricos, contos infantis, sobrenaturais e de mistério, alegorias, fábulas, parábolas, e até mesmo algumas narrativas efetivamente fantásticas. Dentro dessa estrita concepção, que Tzvetan Todorov chamava de "maravilhoso" - aceitação do inverossímil e do inexplicável dentro do universo ficcional, desde que possua coesão e coerência internas - destacam-se, entre as 48 narrativas, alguns contos como "O jovem Goodman Brown", de  Nathaniel Hawthorne (1804-1864) e  "O estranho", de Ambrose Bierce (1842-1914), ambos norte-americanos;  "O imortal mortal", de Mary Shelley (1797-1851) e "O sinaleiro", de Charles Dickens (1812-1870), ambos ingleses; ("Quem sabe?" e "O Horla"*, de Guy de Maupassant (1850-1893), "O desaparecimento de Honoré Subrac", de Guillaume Apollinaire (1880-1918) e "Os prisioneiros de Longjumeau", de Leon Bloy (1846-1917), todos franceses; "A sombra", do dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875); "Tlon, Uqbar, Orbis Tertius", de Jorge Luis Borges (1899-1986) e "Carta a uma senhorita em Paris", de Julio Cortázar, ambos argentinos.  

* Uma curiosidade: a "doença" que acomete o narrador-protagonista deste conto - que mais tarde vai se mostrar como uma possível mania de perseguição - é deflagrada pela passagem de uma barca brasileira "de três mastros, toda branca" pelo rio Sena (p. 239) e confirmada por uma notícia de jornal a respeito de uma "epidemia de loucura" que atinge a província de São Paulo (p. 257).




Avaliação: BOM 
(Abril, 2016)


sexta-feira, 15 de abril de 2016

Robinson Crusoé (1719) 
Daniel Defoe (1660-1731) - Inglaterra         
Tradução: Vera Veloso             
São Paulo: Círculo do Livro, 1995, 255 páginas 


Mais que narrativa de aventura, trata-se da apologia do sistema mercantilista, momento de acumulação de riquezas que redundaria no capitalismo. O autor consegue, por meio da história de um náufrago, Robinson Crusoé, recriar a trajetória da Humanidade, desde a domesticação de plantas e animais (instaurando a agricultura e a pecuária) até a fabricação de objetos que facilitam a vida cotidiana, como móveis, ferramentas e utensílios. Crusoé aparece como símbolo do homem que estende "os seus domínios" e propaga "a civilização por todo o lado" (p. 227), ou seja, que impõe-se como colonizador (no caso, de uma ilha no Caribe) e como baluarte do cristianismo em oposição à "barbárie" dos nativos. É curioso observar a onipresença do Brasil no livro. É aqui que Crusoé estabelece-se como fazendeiro (mais especificamente na Bahia), e daqui que sai para contrabandear escravos da África, quando então seu navio afunda e ele se vê longe de tudo e de todos por 35 anos (24 deles sozinho e outros 11 na companhia de um criado que nomeia como Sexta-feira), até ser resgatado e levado de volta à Inglaterra. O Brasil ainda aparece como fonte de sua fortuna e como ponto de partida de sua última viagem, quando, comerciando pelas costas da África e da Ásia chega à China, de onde volta por terra, estabelecendo-se em definitivo em Londres.




Avaliação: BOM 
(Abril, 2016)


Entre aspas


"É curioso como não nos envergonhamos de uma má ação, mas sim de mostrar arrependimento por a termos cometido". (p. 11)

"(...) não há na vida, situação, por má que seja, que não tenha o seu lado bom." (p. 43)



terça-feira, 12 de abril de 2016

1933 foi um ano ruim (1985) 
John Fante (1909-1983) - Estados Unidos      
Tradução: Fernando S. Vugman       
São Paulo: Brasiliense, 1990, 124 páginas


Publicado postumamente, este romance narra em primeira pessoa a história de Dominic (Dom) Molise, adolescente sonhador de 17 anos, filho de um pedreiro italiano e de uma dona de casa nascida em um cortiço de Chicago, também filha de italianos. Numa casa pobre, situada nos limites da cidadezinha de Roper, no Colorado, ele divide espaço ainda com dois irmãos (August e Frederick) e uma irmã, Clara, além da avó Bettina. O inverno rigoroso das Montanhas Rochosas impede o pai de exercer a profissão e é jogando bilhar que ele consegue algum dinheiro para o sustento da família. No frio congelante daquela estação, Dom vai se deparar com a infidelidade do pai, a solidão da avó que não fala inglês, a tristeza profunda da mãe que se refugia no catolicismo, a falta de perspectiva dos imigrantes, condenados a repetir o percurso dos antepassados. Então, ele decide tentar a vida na Califórnia como jogador de beisebol, e para isso planeja uma fuga com seu único amigo, Kenny Parrish, filho do homem mais rico do lugar. Trágico, melancólico, dolorido, perfeita descrição do rito de passagem para o mundo adulto.



Avaliação: OBRA-PRIMA 

(Abril, 2016)


segunda-feira, 11 de abril de 2016


Viagem à lua (1657) 
Cyrano de Bergerac (1619-1655) - França     
Tradução: Fulvia M. L. Moreto      
São Paulo: Globo, 2007, 226 páginas





Não tomemos ao pé da letra o título do livro imaginando tratar-se de uma história de ficção científica. A viagem que o protagonista faz à lua é apenas um artifício brilhante para a consecução deste romance filosófico. O autor cria um astuto narrador que aparentemente defende pontos de vista científicos, morais e religiosos de acordo com a ortodoxia de sua época contra o pensamento revolucionário e herético dos selenitas (habitantes da lua). Mas ao expor, nos diálogos, essas concepções contrárias à Igreja, tanto no plano teológico quanto científico, ele na verdade está satirizando o reacionarismo das instituições com uma piscadela de olhos para o leitor inteligente. É impressionante a quantidade de questões levantadas, abrangendo os mais diversos campos do conhecimento, e mais ainda a ousadia da perspectiva assumida pelo autor. Surpreende-nos que em meados do século XVI ele defenda a ideias como a de que tudo o que existe pode ser reduzido à matéria (átomo) que se reconfigura como composição físico-química ou a de que a Terra gira em torno do Sol (assuntos ainda tabus naquele momento). Mas também são abordados , entre outros, temas como a existência de Deus, a infinitude do universo, a obediência que os filhos devem aos pais, a cremação e até mesmo o veganismo. Além disso, antecipa o áudio-livro!!! (v p. 107-108)

       



Avaliação: MUITO BOM

(Abril, 2016)


Entre aspas


"(...) assim como Deus pôde fazer a alma imortal, pôde fazer o mundo infinito, se é  verdade que a eternidade não é outra coisa senão uma duração sem limites e o infinito, uma extensão sem limites. E, além disso, Deus seria ele mesmo finito, se supomos que o mundo não seja infinito, visto que não ele poderia aumentar o tamanho do mundo sem acrescentar alguma coisa à própria extensão, começando a existir onde não existia antes". (p. 25-26)

"(...) se vosso pai não vos ordena nada que contrarie as aspirações do Altíssimo, eu vos aprovo; de outro modo, caminhai sobre o ventre que vos engendrou, tripudiai sobre o seio da mãe que vos concebeu, pois imaginar que esse covarde respeito que os pais depravados tenham arrancado de vossa fraqueza seja tão agradável ao céu ao ponto de por isso alongar minha vida, nada vejo nisso de razoável". (p. 83)

















Avaliação: BOM

(Outubro, 2015)




Entre aspas

"Falamos da polític