segunda-feira, 26 de agosto de 2019

A fúria (1959) 
Silvina Ocampo (1903-1993) - ARGENTINA 
Tradução de Lívia Deorsola    
São Paulo: Companhia das Letras, 2019,  219 páginas


É curioso como alguns autores, ótimos quando lidos em antologias, perdem a força quando têm os contos reunidos em volume - ou seja, são apenas altamente "antologiáveis". É este o caso da Autora em questão. As primeiras narrativas nos provocam um profundo impacto por suas metáforas surpreendentemente originais, pela extrema violência dos temas escolhidos, pelo desvelamento do que há de fantástico (ou inusitado) no cotidiano mais comezinho e pela ideia de remissão "através da maldade" (p. 104), que percorre todas as páginas. No entanto, à medida que avançamos na leitura, esses recursos, que dão dinamismo às histórias, vão se tornando repetitivos, mais e mais, até o momento em que se transformam em uma fórmula, uma fórmula excelente para encantar-nos em três, quatro, cinco contos, mas extremamente entediante quando percorremos 34 deles... É sempre uma tentação, para o autor, deixar-se seduzir pela própria forma de escrita, pois acaba rendendo-se ao maneirismo - quer dizer, acaba correndo atrás de sua própria sombra. Repito, no entanto, qualquer conto deste livro, tomado ao acaso, pode ser incluído em uma antologia e irá causar ótima impressão. 




Avaliação: BOM


(Agosto, 2019)

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Contos de horror do século XIX 
Escolhidos por Alberto Manguel 
Tradução: Vários     
São Paulo: Companhia das Letras, 2005, 547 páginas







São 33 contos, entre os quais uma verdadeira obra-prima da literatura mundial - independente de subgênero -, a novela "A volta do parafuso", do norte-americano, naturalizado inglês, Henry James (1843-1916), impressionante e terrível história de uma jovem histérica que vê fantasmas e constrói uma narrativa paranoica que termina em tragédia. Além deste, reencontramos alguns contos que são incontornáveis neste tipo de antologias - os excelentes "A mão do macaco", do inglês W.W. Jacobs (1863-1943), e "A tortura pela esperança" do francês Villiers de L'Isle Adam (1838-1889); e os bons "A fera", do polonês-inglês Joseph Conrad (1857-1924); "Os fatos no caso do Sr. Valdemar", do norte-americano Edgar Allan  Poe (1809-1849), e o "Rapa-carniça" (também às vezes traduzido como "O ladrão de corpos"), do escocês Robert Louis Stevenson (1850-1894). Neste volume, destacam-se ainda os ótimos "A mulher alta", do espanhol Pedro Antonio de Alarcón (1833-1891); "O chinago", do norte-americano Jack London (1876-1916); "A casa de Buleman", do alemão Theodor Storm (1817-1888); "Uma vendeta", do francês Guy de Maupassant (1850-1893); e "O cirurgião de Gaster Fell", do escocês Arthur Conan Doyle (1859-1930). Chamaria a atenção ainda para o excelente conto do norte-americano nascido na Ucrània e que escrevia em iídiche, Lamed Shapiro (1878-1948), "Halá branco", que se passa na I Guerra Mundial e denuncia os horrores do anti-semitismo na Rússia pré-revolucionária. E conclamaria o leitor a perceber a importância que tiveram, na obra literária de um dos maiores escritores de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), de autores pouco conhecidos hoje, como o italiano Giovanni Papini (1881-1956), aqui representado pelo conto "A última visita do cavalheiro doente", que narra as angústias de alguém que descobre que existe apenas como personagem de um sonho de outro alguém que está dormindo; e o belga Georges Rodenbach (1855-1898), com "O amigo dos espelhos", que retrata o fascínio de um personagem por espelhos - ambas as ideias, sonhos e espelhos, verdadeiras obsessões do autor argentino.


Entre aspas:

"(...) a estrada mais segura para saída é sem dúvida a que está na nossa frente". (pág. 179)



Observações:


1) No conto "A família do vurdalak: fragmento inédito das Memórias de um desconhecido", do russo Aleksei Konstantinovitch Tolstói (1817-1875), há uma incongruência de datas que não sei se está no original, se foi erro de revisão do texto traduzido. À pág. 27, o narrador afirma que "no ano de 1759 estava perdidamente enamorado pela bela duquesa de Grammont", razão pela qual, o amor impossível, ele resolve sair em missão diplomática para a Moldávia. Páginas depois, ele, após viver uma aventura estranha na casa de uma família sérvia, volta à aldeia e fica sabendo que a maldição se abateu sobre Sdenka, moça por quem se apaixonou. Diz ele: "Seria possível (...) que Sdenka não fosse a jovem pura e inocente que parecia ser dois anos antes?" (p. 46). Ou seja, ele afirma que se passaram dois anos após sua estada naquela região - portanto, deveria ser 1761. No entanto, ele pede, ainda na página 46: "(...) pensem por favor que a história que tenho o prazer de contar se passava no ano da graça de 1758". (Como???!!!!)
2) O Brasil aparece no conto "O cirurgião de Gaster Fell", de Arthur Conan Doyle. Enumerando os lugares em que esteve aventurando-se, antes de se cansar e se recolher em Gaster Fell, o narrador afirma: "Fui dos primeiros europeus a explorar as plagas desoladas em torno do lago Tanganica; por duas vezes percorri as selvas impenetráveis e raramente visitadas que margeiam o vasto planalto de Roraima". (pág. 497-498)





Avaliação: MUITO BOM


(Agosto, 2019)