quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Contos latino-americanos eternos  
Organização e tradução: Alícia Ramal         
Rio de Janeiro: Bom Texto, 2005, 303 páginas 



Reunião de 22 contos dos maiores escritores da América Latina. Há algumas obras-primas da história curta, como "Missa do Galo", de Machado de Assis (1839-1908), e "O peru de natal", de Mário de Andrade (1893-1945), ambos brasileiros; e "Casa tomada", de Julio Cortázar (1914-1984), "Em memória de Paulina", de Adolfo Bioy Casares (1914-1999) e "O Aleph", de Jorge Luis Borges (1899-1996), argentinos. Destacam-se ainda "Macário", do mexicano Juan Rulfo (1918-1986); "Uma senhora", do chileno José Donoso (1914-1996),;"Feliz ano novo", do brasileiro Rubem Fonseca (1925); "Paco Yunque", de Cesar Vallejo (1892-1938) e "Dia de domingo", de Mario Vargas Llosa (1936), ambos peruanos; e "Yzur", de Leopoldo Lugones (1874-1938)* e "O corcundinha", de Roberto Arlt (1900-1942), argentinos. 



* É interessante observar os pontos de contatos entre esse excelente conto fantástico de Lugones e a narrativa "Um relatório para uma academia", de Franz Kafka (1933-1924). Ambos têm por tema a tentativa de "humanizar" um macaco, com resultados trágicos. O texto do argentino é de 1926, o de Kafka, de 1920, mas certamente o primeiro não leu o último...

     


Avaliação: MUITO BOM


(Fevereiro, 2016)


terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

A balada do café triste (1951) 
Carson McCullers (1917-1967) - Estados Unidos 
Tradução: Caio Fernando Abreu        
Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2010, 191 páginas 


São sete contos que demonstram, à perfeição, a maestria dessa autora que escreveu pouquíssimo. Sua capacidade de compreender o ser humano pode ser resumida na fala do velho que protagoniza a última história do livro: "Eu posso amar qualquer coisa. (...) Vejo uma rua cheia de gente e uma linda luz surge dentro de mim" (p. 189). É assim com a adolescente que perde a capacidade de tocar piano com sentimento ("Wunderkind"); com o jóquei que entrega-se à destruição após um acidente com o parceiro ("O jóquei"); com o professor que, ao descobrir o motivo pelo qual sua colega mente todo o tempo, se enternece ("Madame Zilensky e o Rei da Finlândia"); com o jornalista que ao jantar com a ex-mulher e sua nova família percebe o vazio de sua existência ("O transeunte"); com o marido que, superando a decepção, comove-se com a mulher alcoólatra ("Um dilema doméstico"); com o velho que aprendeu a amar coisas e gentes ("Uma árvore, uma rocha, uma nuvem"). É interessante notar que "A balada do café triste", que poderia facilmente ser encaixado dentro da corrente do realismo mágico latino-americano, precede o movimento em alguns anos: numa pequena cidade da Georgia, Amelia Evans, 1,80 m de altura, agricultora, agiota, ervateira, vive um paixão devastadora por um anão corcunda, mau caráter, interesseiro e preguiçoso.


* Vale a pena observar o verdadeiro tratado sobre o amor (a diferença entre amado e amante) presente nas páginas 42 e 43. Sublime.

     


Avaliação: MUITO BOM

(Fevereiro, 2016)


Entre aspas

"O coração de uma criança machucada às vezes pode encolher, tornar-se seco e duro como o caroço de uma fruta. Ou, ao contrário, pode inchar com os ferimentos, magoando-se com a mais extrema facilidade". (p. 46)

"Oh - disse a mosca presa na roda da carroça - que poeira nós estamos levantando!" (p. 85)



sábado, 13 de fevereiro de 2016

O melhor do conto alemão no século 20  
Org. Rolf G. Renner e Marcelo Backes 
Tradução: Marcelo Backes       
Porto Alegre: L&PM, 2004, 399 páginas 


Excelente panorama do que de melhor produziu a literatura de língua alemã (Alemanha, Áustria e Suíça) ao longo do século XX. Aqui, nos deparamos com algumas obras-primas da narrativa curta, como "Os mortos calam", de Arthur Schnitzler (1862-1931); "Tobias Mindernickel", de Thomas Mann (1875-1955); "O veredicto", de Franz Kafka (1883-1924) e "O túnel", de Friedrich Dürrenmatt (1921-1990). Destaco, ainda, entre os 54 textos, os contos de Heinrich Mann (1871-1950), Robert Musil (1880-1942), Werner Bergengruen (1892-1964), Erich Kästner (1899-1974), Alfred Andersch (1914-1980), Heinrich Böll (1917-1985), Wolfgang Borchert (1921-1947), Siegfried Lenz (1926-2014), Martin Walser (1927), Günter Kunert (1929), Günter Herburger (1932) e Fritz Rudolf Fries (1934-2014). Embora bastante diversificada quanto aos temas e às formas, é possível notar uma linha constante perpassando todo o livro: a grande preocupação com o peso da História no destino do indivíduo. 


Avaliação: MUITO BOM


(Fevereiro, 2016)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A ovelha negra  e outras fábulas (1969
Augusto Monterroso (1921-2003) - Honduras 
Tradução: Millôr Fernandes       
São Paulo: Cosac Naify, 93 páginas 


O escritor guatemalteco, nascido em Honduras, Augusto Monterroso, é um caso raro, ficou mundialmente famoso por conta de ter escrito o menor (e melhor) conto da história da literatura, “O dinossauro”: "Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá". Neste A ovelha negra e outras fábulas, o autor cria pequenas histórias sarcásticas sobre o comportamento sempre vil do ser humano, utilizando animais como protagonistas para assim melhor caracterizar nossas mazelas. Política e literatura (que não deixam de ser, ao fim e ao cabo, cada uma a seu modo, formas de exercício do poder) são temas recorrentes. Seu olhar desolado não poupa nada nem ninguém: autoritarismos, vaidades, mesquinharias são seus alvos preferenciais. Mas seu olhar não é nunca cínico, ou seja, nunca se coloca acima de seus semelhantes, mas irônico, de quem compreende nossas limitações e as lamenta. Triste condição humana, parece ser essa a "moral" de todas as 40 fábulas aqui expostas.

Avaliação: BOM


(Fevereiro, 2016)

     

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

O coração das trevas (1899) 
Joseph Conrad (1857-1924) - Polônia
Tradução: Celso M. Paciornik        
São Paulo: Abril, 2010, 148 páginas 


É noite. Os marinheiros do iate de cruzeiro Nellie estão ancorados no rio Tâmisa, na Inglaterra, aguardando a virada da maré para seguir viagem. No meio da escuridão, um dos camaradas, Marlow, começa a contar uma história, a "história irreal" de como enfronhou-se para dentro da floresta equatorial do Congo com o objetivo de resgatar um homem chamado Kurtz, tornado lenda pela sua capacidade de abastecer de marfim os postos de recepção localizados no litoral. À medida em que sobe o rio pilotando um precário vapor, Marlow vai tomando consciência da crueldade irracional da colonização, organizada em nome do "processo civilizacional" dos "selvagens". Quando finalmente se depara com Kurtz encontra um ser egocêntrico e megalomaníaco enlouquecido pelos seus próprios métodos bárbaros de exercício do poder. As palavras finais do explorador, "O horror! O horror!", que Marlow omite da noiva ao encontrá-la para entregar um maço de cartas deixado por Kurtz, sintetiza o romance e sintetiza a brutalidade com que os europeus retalharam a África para apossar-se de suas riquezas. Embora polonês, Conrad escreveu toda a sua obra em inglês.

     


Avaliação: OBRA-PRIMA

(Fevereiro, 2016)


Entre aspas

"(...) é impossível transmitir a sensação viva de qualquer época determinada de nossa existência - aquela que constitui a sua verdade, o seu significado, a sua essência sutil e contundente. É impossível. Vivemos como sonhamos - sozinhos..." (p. 49)

"Não gosto de trabalho - ninguém gosta -, mas gosto do que existe no trabalho - a chance de a pessoa se encontrar. Sua própria realidade - para si mesma, não para os outros -, aquilo que nenhum outro homem jamais poderá saber." (p. 51)

"Coisa engraçada é a vida - este misterioso arranjo de lógica implacável para um objetivo fútil. O máximo que se pode esperar dela é algum conhecimento de si próprio - que chega tarde demais -, uma colheita interminável de arrependimentos". (p. 122)

"(...) talvez toda a sabedoria, e toda a verdade, e toda a sinceridade estejam comprimidas naquele imperceptível intervalo de tempo em que cruzamos o limiar do invisível". (p. 123)

Pontos de vista de um palhaço (1963
Heinrich Böll (1917-1985) - Alemanha
Tradução: Paulo Soethe      
São Paulo: Estação Liberdade, 2008, 308 páginas 


O narrador, Hans Schnier, descende de uma rica família que há duas gerações é dona de empresas de carvão mineral. Desde cedo, inconformado com a hipocrisia que o cerca, torna-se um crítico ácido e impaciente de colegas, conhecidos e familiares. Após abandonar os estudos secundários, foge com Marie Derkum, filha do dono de uma papelaria, e decide dedicar-se profissionalmente à carreira de palhaço, apresentando espetáculos-solo em turnês pela Alemanha. Mas, depois de alguns anos, os conflitos com Marie e principalmente com os amigos vão se acirrando. Católica praticante, ela vive a cisão entre os valores nos quais acredita e sua situação de concubinato, agravada por um aborto. Além disso, o casal mantém-se em constante instabilidade financeira. Marie acaba largando Hans para se casar com um colega de ambos, Heribert Züpfner. Trancado num apartamento pequeno e sujo em Bonn, então capital da Alemanha Federal, sem dinheiro, sem amigos, sem perspectiva, o protagonista repassa sua vida, dissecando a sociedade alemã - e não hesita em desmascarar a todos, incluindo sua mãe, uma nazista orgulhosa, a quem culpa pela morte da irmã na frente de batalha, e que agora milita numa associação para conciliação das desarmonias raciais. 


Avaliação: MUITO BOM

(Fevereiro, 2016)



Entre aspas

"(...) na vida de uma criança as coisas banais são grandiosas, tudo é estranho, desordenado, sempre trágico". (p. 123)

"O pior nos críticos não é que exerçam sua crítica, mas justamente serem tão pouco críticos consigo mesmos. E aborrecidos, além disso." (p. 188-9)

"Um artista traz a morte sempre a tiracolo (...)" (p. 289)