quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

A mãe o filho da mãe (1966) 
A máquina de fazer amor (1980)
Wander Piroli (1931-2006BRASIL 
Belo Horizonte: Leitura, 2009, 174 páginas




O volume reúne as duas mais importantes coletâneas de contos do Autor, num total de 29 narrativas breves (algumas brevíssimas). O cenário é quase sempre Belo Horizonte, ou, melhor, o submundo de Belo Horizonte, com seus bares sórdidos, ruas imundas, habitações precárias, histórias protagonizadas, em geral, por personagens beirando à marginalidade, embora, curiosamente, os melhores contos sejam aqueles em que o Autor flagra um momento de lirismo no cotidiano de gente miúda de classe média baixa. Estão nesse caso, os ótimos "Os camaradas", "Lá no morro", "A mãe e o filho da mãe", "Trabalhadores do Brasil" e "Manhã seguinte" - todos do primeiro livro. Do segundo livro, destacam-se "Um pedido de demissão" e "Seja o que Deus quiser", cujos protagonistas estão à margem da sociedade.



Avaliação: BOM




 (Janeiro, 2019)

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Jorge, um brasileiro (1967)
Oswaldo França Junior (1936-1989BRASIL 
Rio de Janeiro: Bloch, 1967, 269 páginas



Este romance é uma espécie de negativo de Grande sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa (1908-1967). Jorge, o protagonista, narra em primeira pessoa, a um interlocutor passivo, como se desincumbiu da tarefa dada por seu chefe, Sr. Mário, de buscar oito carretas carregadas de milho paradas em Caratinga, por causa das chuvas que destruíram as estradas, e levá-las para Belo Horizonte em cinco dias, prazo de inauguração de uma refinaria. No caminho, Jorge e seus colegas enfrentam todo tipo de impedimentos, até que, afinal, conseguem chegar na capital mineira, porém com atraso de uma semana. Disse que este romance é uma espécie de negativo de Grande sertão: veredas porque em tudo ele o emula: se Riobaldo usa um linguajar barroco para explanar sua história, Jorge utiliza uma linguagem coloquial - embora ambos contem suas aventuras com idas e vindas e repetições; se Riobaldo lidera, em tom épico, um bando de jagunços baseando-se numa ética toda própria, Jorge lidera, também em tom épico, um bando de caminhoneiros com a mesma lógica; se, de alguma forma, o que está em jogo em Grande sertão: veredas é uma questão metafísica, da luta do Bem contra o Mal, em Jorge, um Brasileiro o confronto é físico e se dá entre o homem e a Natureza; se naquele o sertão mineiro está situado nos descampados do oeste, neste o sertão mineiro está situado nas montanhas do leste... Finalmente, se Grande sertão: veredas é uma obra-prima da literatura brasileira, Jorge, um brasileiro é apenas um bom romance.


Curiosidade: 

À pág. 131, o narrador chega a Cataguases... "Continuei até Leopoldina, de lá, saí da Rio-Bahia e fui a Cataguases, onde falavam de um serviço em um campo de aviação que era coisa grande, para dar trabalho a muita gente".


Avaliação: BOM



 (Janeiro, 2019)

sábado, 26 de janeiro de 2019

Contos 
Afonso Arinos (1868-1916BRASIL 
São Paulo: Martins Fontes, 2006, 222 páginas






Este volume reúne todos os contos do Autor: 12 de Pelo Sertão (1898), cinco de Histórias e paisagens (1921, póstumo) e um inédito, "A rola encantada", descoberto e publicado pela primeira vez em 1990, num total de 18 narrativas. A rigor, para além de alguns contos, do volume constam poemas em prosa, crônicas e fragmentos de romances - e, no entanto, desta miscelânea podemos destacar quatro textos de ótima fatura, curiosamente subintitulados pelo Autor como histórias do sertão ("Assombramento" e  "A garupa") e tipos do sertão ("Joaquim Mironga" e "Pedro Barqueiro"). É neste ambiente que o Autor se sentia mais à vontade, recriando um desfecho trágico para um caso de assombração; um comovente e assustador relato de amizade (que nos faz lembrar, em alguns momentos, o excelente "São Marcos", de Guimarães Rosa (1908-1967)); um triste episódio de violência política; e um final surpreendente para um sucedido de valentia. Falei em Guimarães Rosa  e é indubitável que ele bebeu no Autor, não só por conta da paisagem comum - até mesmo o celebérrimo rio Urucuia é evocado aqui (p. 53) -, mas principalmente pela profunda admiração que ambos demonstram pelo modo de vida, pela visão de mundo e pelos valores do sertanejo deste grande sertão que é (ou era) Minas Gerais.



Avaliação: BOM


 (Janeiro, 2019)

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Sebastianópolis  (1916-1939)
Adelino Magalhães (1887-1969BRASIL 
Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1994, 272 páginas




Esta antologia reúne 17 contos (na verdade, algumas das narrativas fogem à conceituação do gênero): oito de Casos e impressões (de 1916), cinco de Visões, cenas e perfis (de 1918), dois de Tumulto da vida (de 1920), um de A hora veloz (de 1926) e um de Plenitude (de 1939). Irregular, o Autor possui, no entanto, uma grande qualidade: trafega por cenários socialmente distintos com uma segurança bastante incomum. Seus personagens são, em geral, pertencentes à classe de pequenos comerciantes ou proletários à beira da marginalidade, imigrantes portugueses, quase todos, e moradores no centro antigo do Rio de Janeiro. O Autor talvez seja, além disso, um dos primeiros a registrar literariamente, no Brasil, o "tumulto da vida" provocado pela "hora veloz", para usar dois de seus títulos. As multidões o atraem, seja num conto bem realizado como "A greve", ou em outros não tão bons, como "A rua" ou "Avante! Avante!". Mesmo quando não está tratando das massas, prefere os aglomerados, como em "Lembranças à Matilda", conversa entre miseráveis imigrantes saudosos da terra distante, ou "A festa familiar em casa do Teles", uma quase orgia numa residência familiar. O problema é que o Autor não consegue, na maior parte do tempo, se desvencilhar de cacoetes românticos e simbolistas, e num mesmo texto é capaz de escrever algo passadista como "E tudo estaria feerizado numa luz arroxeada! E correria um vinho leve, abstrato, como um sonho... e correria em taças cor da Lua!" (p. 57) misturado a algo modernista como "O missivista encomendado deslocalizou-se um pouco, numa inoculta emoção, ao vozerio das aclamações; depois deslizou os dedinhos claros sobre as pastinhas negras, espremeu-as num esforço de boa caligrafia, e franqueou: - Esta pena, com licença da palavra, é uma porqueira!" (p. 61). Irritantes também são suas tentativas de mimetizar a linguagem popular, ao invés de recriá-la - "Ó, Manuel, bai pedir o tintairo ao Antonico, se por cá não há..." (p. 59) - e o abusivo uso de advérbios de modo (terminados em mente). Em alguns momentos consegue anotar uma frase que bem poderia ser encontrada no melhor de Oswald de Andrade (1890-1954): "A manhã cai-lhe como uma toalha de banho sobre a deliciosa puerilidade do seu esfregar de olhos, enquanto ela sorri à múltipla alvorada dos gritinhos abaixo do cais; do desconcerto dos pregoeiros e do fonfonar dos automóveis" (p. 108). São bons contos como "Chico-Vovó" e "O presente", ambos tendo como tema as agruras da infância, e "A greve" e "Um prego! Mais outro prego!", ambos baseados em fatos históricos, muito bem recriados, a paralisação geral de 1917 e a tragédia provocada pela gripe espanhola em 1918, respectivamente. Mas, afinal, o grande mérito do Autor se reduz a uma questão extraliterária: ele é a prova cabal de que, mesmo antes da Semana de Arte Moderna de 1922, já existia "modernismo" no Brasil...




Avaliação: NÃO GOSTEI




 (Janeiro, 2019)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Contos reunidos (1931-1966)
Marques Rebelo (1907-1973BRASIL 
Rio de Janeiro/Brasília: José Olympio/MEC, 1977, 284 páginas




Este livro reúne três coletâneas de contos - Oscarina (1931), Três Caminhos (1933) e Stela me abriu a porta (1942) - além de três contos avulsos (Conto à la mode, Acudiram três cavaleiros e O bilhete), num total de 39 narrativas breves. O tom de todos os textos, à exceção dos três avulsos, escritos sob a ditadura militar, pode ser resumido como uma nota de "melancolia estranha (...) uma dor mansa no fundo da alma (...) uma saudade absurda" (p. 55). Esse sentimento, de ternura por algo definitivamente perdido, perpassa as histórias, quase sempre situadas nos subúrbios da Zona Norte do Rio de Janeiro (Tijuca, Andaraí, Grajaú), lugares pouco frequentes nas páginas da literatura brasileira, e seus personagens, em geral, são oriundos da classe média baixa formada por funcionários públicos e comerciantes. Em dois dos três contos avulsos, no entanto, o Autor substitui a ternura pelo sarcasmo. Conto à la mode e Acudiram três cavaleiros fazem uma crítica impiedosa aos desmandos dos militares que tomaram o poder em 1964, reduzindo os golpistas (civis e militares) ao ridículo de suas crenças. Há pequenas obras-primas do gênero, como Oscarina e Na Rua Dona Emerenciana (de Oscarina), Vejo a lua no céu, Circo de coelhinhos e Namorada (de Três caminhos) e A derrota (Stela me abriu a porta). Um contista que não pode faltar em nenhuma antologia!


Avaliação: BOM



 (Janeiro, 2019)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Em surdina (1933)
Lúcia Miguel Pereira (1901-1959BRASIL 
Rio de Janeiro: José Olympio, 1979, 137 páginas



Um surpreendente romance feminista - surpreendente porque escrito numa época em que a questão ainda era tabu na sociedade brasileira. Cecília não é muito diferente das jovens cariocas de classe média de seu tempo, o entreguerras. Filha de um médico bem sucedido, o Dr. Vieira - "cirurgião de grande clínica" (p. 8) -, ela foi criada por um tia paterna, dona Sinhazinha, numa casa enorme no Flamengo, e está sendo preparada para arrumar um casamento - "no Brasil, a única saída para as mulheres é o casamento" (p. 109), diz um personagem a certa altura. Mas Cecília busca algo mais que a "escravidão humilde e profunda da maternidade" (p. 39) a que são submetidas as mulheres em seu entorno. Por isso, embora deseje constituir família, luta para manter-se independente financeira e afetivamente. Incompreendida, ela recusa pretendente após pretendente, até mesmo Paulo, "seu único amor" (p. 88), que, quando ela revela sua vontade de trabalhar, recebe como resposta: "o emprego que tenho para você, o melhor, (...) é o de minha mulher" (p. 57). Cecília vai percebendo a vida "aos poucos moldando a máscara humana à sua feição" (p. 109). Mesmo a imagem de sua família, que idealizava como unida e sem falhas, desmorona. Ela descobre que o pai tem amante e não é tão rico quanto imaginava. O irmão adorado, Claudio, que pensava ser um bem sucedido homem de negócios, mete-se com jogatinas e prostitutas, e se suicida, afundado em dívidas. Antonio, um dos irmãos gêmeos, após formar-se em engenharia e casar-se, distancia-se, revelando-se um avarento. O outro irmão gêmeo, João, após voltar de um período de tratamento de tuberculose na Suíça, bate cabeça, tentando se impor como jornalista e escritor. E a irmã, Heloísa, para vingar-se das traições do marido, Décio, médico como o pai, envolve-se com outros homens. Ao final, Cecília se conforma, acha que "fizera uma loucura" (p. 80), e assume, com os primeiros fios de cabelo branco, o papel de tia solteirona. Cecília, que viu a vida "como através de uma bruma" (p. 91), foi consumida, em surdina, pela sociedade. Há um único porém:  o último capítulo, na verdade, uma espécie de epígrafe, totalmente desnecessário... 




Avaliação: BOM


Curiosidade: 


O fato de a Autora ser reconhecida como uma das maiores ensaístas da história da literatura brasileira acabou eclipsando sua produção de livros de ficção.




 (Janeiro, 2019)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Sargento Getúlio (1971)
João Ubaldo Ribeiro (1941-2014BRASIL 
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971, 108 páginas


O sargento Getúlio dos Santos Bezerra, idade indefinida - "(...) devo ter mais de trinta. Devo ter mais de quarenta" (p. 62) -, é encarregado de levar o desafeto de um político ligado ao PSD sergipano - um "comunista (...) maricão estrumado (...) capadócio (...) udenista" (p. 14), em sua confusa acepção -, desde Paulo Afonso, na Bahia, até Aracaju. O sargento Getúlio e seu companheiro, Amaro, que dirige o Hudson da PM de Sergipe, estão desempenhando bem seu papel, até que as coisas mudam, "a política entrou pelos contrários" (p. 45). Desconfiado, o sargento Getúlio resolve não aceitar a contraordem de entregar o prisioneiro aos colegas - "O que eu não entendo eu não gosto, me canso" (p. 63) - e se homizia numa fazenda, depois na casa paroquial de um padre-jagunço, e mais tarde na casa de uma amante, Luzinete, sempre provocando escaramuças contra os seus agora inimigos. Até que, morto Amaro, o sargento Getúlio, modificado pelos acontecimentos - "eu era ele, agora eu sou eu" (p. 104) - se prepara para o enfrentamento final em Barra dos Coqueiros, bem em frente a Aracaju. Além de o protagonista ser um personagem inesquecível em sua quase animalesca existência - ele se considera "político":  "não mato à toa" (p. 11) -, o grande mérito do livro está na linguagem, que, embora claramente inspirada em Guimarães Rosa (1908-1967) - "Sergipe é um sertão só, mesmo que não seja" (p. 13) -, consegue uma surpreendente singularidade, o que não é pouco... O romance é um longo monólogo no qual o sargento Getúlio conta a um interlocutor passivo - como em Grande sertão: veredas (1956) -  suas proezas, quase sempre ligadas a assassinatos crudelíssimos, incluindo o de sua mulher grávida, que ele desconfia o tenha traído: "A mulher recebe o caldo do outro. Que fica lá dentro, se mistura com ela. Então não é a mesma mulher" (p. 21). Retrato da política brasileira, no caso um flagrante do nordeste na década de 1950, tema praticamente ausente da nossa literatura.


Avaliação: MUITO BOM


 (Janeiro, 2019)

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

A morte de D.J. em Paris (1973)
Roberto Drummond (1933-2002BRASIL 
São Paulo: Ática, 1975, 98 páginas


O livro reúne dez contos, e inaugura aquilo que o Autor, na época, chamou de "literatura pop" - uma tentativa de "popularização" da literatura, sem, no entanto, abrir mão de expedientes estéticos mais sofisticados. O resultado é bastante discutível, tanto que o próprio Autor abandonaria, mais tarde, essa concepção. Mas, sem dúvida, há aqui uma importante contribuição: a introdução de elementos do cotidiano na narrativa - como atores e a atrizes em evidência; marcas de produtos, ressaltando a mercadorização dos seres humanos, etc - e uma certa leveza no trato dos dramas dos personagens ordinários. Há alguns bons contos - a loucura de "Dôia na janela", o clima de opressão sob a ditadura militar em "Objetos pertencentes a Fernando B, misteriosamente desaparecido" e "A outra margem" - e há mesmo uma pequena obra-prima, que é o conto que dá título ao livro, uma alegoria sobre a paixão e a loucura, numa atmosfera alucinante. E também bobagens, como o colegial "Um homem de cabelos cinzas" ou o espalhafatoso "Rosa, Rosa, Rosae".



Avaliação: BOM


 (Janeiro, 2019)