sábado, 27 de março de 2021

 Os sete loucos (1929)

Roberto Arlt (1900-1942) -  ARGENTINA  

Tradutor: Janer Cristaldo  

Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982, 192 páginas

Este romance, lançado no Entre-Guerras, é assustadoramente antecipatório. Augusto Remo Erdosain trabalha como cobrador na Limited Azucarer Company, localizada em Buenos Aires. O livro começa com a descoberta, pelos seus chefes, de que Erdosain deu um desfalque no caixa da empresa - que ele se compromete em cobrir no dia seguinte. A partir desse episódio, o protagonista labirinta-se por um mundo obscuro, onde convive com personagens absolutamente bizarros, e, no entanto, infelizmente reconhecíveis... Por conta de sua inabilidade, é abandonado pela mulher - e a cena, em que ele a encontra de saída com o amante, não por acaso um militar, mostra sua incapacidade de reagir aos golpes do mundo, pois é como se sua infelicidade pessoal o impedisse de demonstrar empatia e de possuir algum sentimento. Erdosain é fascinado pelo Astrólogo, que tem como objetivo fundar uma sociedade baseada na mentira e na enganação e sustentada pela exploração da prostituição. "Sinto a imperiosa necessidade (...) de reunir em um só feixe a disforme potência de cem psicologias distintas, de harmonizá-las mediante o egoísmo, a vaidade, os desejos e as ilusões, tendo como base a mentira e como realidade o ouro..." (p. 107) é o discurso delirante (?) do Astrólogo, que conta com Erdosain, um cientista amador, para produzir gases asfixiantes e criar uma comunidade de jovens desprovidos de senso crítico, que a tudo obedecerão e se tornarão massa de manobra para seus projetos cínicos e megalomaníacos. Para realizar esse sonho, Erdosain e o Astrólogo sequestram Barsut, um amigo-inimigo de Erdosain e fazem-no preencher um cheque, cujo valor será destinado inicialmente à criação das primeiras células. A ideologia de Astrólogo, se se pode falar em ideologia, é uma mistura de anarquismo, comunismo, supremacismo, fascismo e apocalipsismo... Tudo redundando num governo autoritário e genocida. Loucura? Mas não vimos isso na União Soviética de Stalin, na Itália de Mussolini, e principalmente na Alemanha de Hitler - mas também na comunidade de Jim Jones, por exemplo? Um romance estranho, desagradável, denso e... atualíssimo!


Avaliação: BOM

(Março, 2021)



terça-feira, 16 de março de 2021

 Crônicas italianas (1837-1839)

Stendhal (1783-1842) -  FRANÇA  

Tradutor: Sebastião Uchoa Leite  

São Paulo: Max Limonad, 1981, 224 páginas



Reunião de oito narrativas curtas - incluindo a obra-prima "Vanina Vanini" -, que têm como cenário diferentes regiões da Itália - de Milão à Sicília -, quatro delas transcorridas no século XVI, três no século XVIII e uma, justamente a melhor, já referida, no começo do século XIX. O que elas têm em comum é que são relatos de amor e violência, ambos extremados, e o uso de um expediente, que considero do ponto de vista narrativo maravilhoso, que é recorrer a documentos manuscritos da época, que teriam sido meramente copiados e traduzidos ou eventualmente condensados. Trata-se de uma variante do manuscrit retrouvé - um livro que o autor recebe de um desconhecido ou encontra por acaso -, algo bastante corriqueiro no período do Romantismo, embora a literatura aqui apresentada esteja um passo adiante. O Autor, de maneira genial, torna as investigações da origem dos manuscritos "utilizados" parte da história contada, conseguindo assim um efeito ao mesmo tempo de verossimilhança e de distanciamento. Uma verdadeira aula de "pós-modernidade". As tramas centram-se sempre na relação impossível entre dois amantes - a mulher encarcerada num convento ou presa a ditames sociais, que impedem que ela se relacione com um homem de mais baixa categoria. Já não estamos mais na época em que o amor a  tudo supera, mas no momento em que não restam muitas saídas: o suicídio ou a conformação. Ou o cinismo, como no caso de Vanina Vanini. 


Avaliação: MUITO BOM

(Março, 2021)


quinta-feira, 4 de março de 2021

 Contos húngaros

Vários autores -  HUNGRIA   

Tradutor: Paulo Rónai   

Rio de Janeiro: B.U.P., 1964, 117 páginas



Reunião de 16 contos de nove autores húngaros da primeira metade do século XX. Curiosamente, a maioria das histórias são anedóticas, ou seja, relatam fatos divertidos, sem grandes preocupações em aprofundá-los. É o caso das narrativas Gárdonyi Géza (1863-1922), Krudy Gyula (1878-1933), Molnar Férenc (1879-1952), Kosztolányi Deszö (1885-1938), Karinthy Frigyes (1888-1938) e Hunyadi Sandór (1893-1942). Móra Ferenc (1879-1934) traz uma fábula sobre a origem do trigo, enquanto Szepe Ernö (1884-1955) e principalmente Gelléri Andor Endre (1908-1944) exploram as tensões provocadas pela situação de quase miséria dos personagens numa Budapeste no Entreguerras. O conto de Móra, "O trigo abençoado por Deus", soa estranhamente machadiano... A "moral" final me lembrou muito a alegoria da agulha e a linha, em "Um apólogo", do escritor brasileiro... Já "O homem da China", de Deszö, tem um leitmotiv muito parecido com "O homem que falava javanês", de Lima Barreto (1881-1922)... Aproximações absolutamente fortuitas, pois, claro, ambos não conheciam a literatura brasileira... Destaco ainda a excelente parábola "Psicologia do Movimento Revolucionário", de Frigyes, que retrata o mesmo personagem lutando contra o poder e exercendo o poder - uma crítica ácida e desencantada do ser humano. E, finalmente, "Moeda falsa", de Gelléri, relato de um ingênuo falsário preocupado em dar de comer aos filhos.



 Avaliação: BOM

(Março, 2021)

terça-feira, 2 de março de 2021

Gargalhada no escuro (1933)

Vladimir Nabokov (1899-1977) -  RÚSSIA/EUA  

Tradutor: Oscar Mendes  

Rio de Janeiro: Labor, 1976, 214 páginas




Este romance é um exemplo radical de que na literatura não interessa o "que", mas o "como". No primeiro parágrafo, o Autor resume o "que" da história, ou seja, sua trama: "Era uma vez um homem chamado Albinus que vivia em Berlim, na Alemanha. Era rico, respeitável, feliz; um dia abandonou a mulher por causa de uma amante jovem; amava; não era amado; e sua vida acabou em desastre" (p. 5). Ou seja, o leitor já sabe, de antemão, tudo que precisa saber - um prato cheio para aqueles que acreditam que a literatura pode ser resumida numa sinopse... No entanto... No entanto, é o "como" o Autor conduz a narrativa, ao longo das próximas duzentas páginas que interessa... A parte do homem "respeitável e feliz" ocupa dez páginas do livro - o restante é empregado à parte da "amante jovem; amava; não era amado; e sua vida acabou em desastre". Albinus, um sujeito rico e desinteressante, moram num enorme apartamento com sua mulher, Elisabeth, e sua filha, Irma, num bairro burguês de Berlim. Nada lhes faltam. Ele ocupa o tempo ocioso de quem vive de renda inventando projetos mirabolantes e dedicando-se de forma vaga à Arte. Ele ama a mulher a filha, mas com aquele amor distante e frio - e tem uma ótima relação com o cunhado. Mas, ele acha que algo lhe falta. Uma aventura amorosa, por exemplo, algo que nunca lhe havia ocorrido antes. E, de tanto procurar, ele se depara com Margot Peters, que, embora sendo uma adolescente de 16 anos, conhece mais do mundo que Albinus. Ela percebe nele uma forma de subir na vida sem esforço. Então, fingindo-se casta e pura, deixa-se seduzir, e partir do momento em que tem Albinus na mão, passa a criar inúmeras armadilhas para que sua família descubra seu caso e ele tenha que romper o casamento. Quando consegue, cria outras inúmeras armadilhas até conseguir morar no antigo apartamento de Albinus. E, assim, pouco a pouco, Margot vai conquistando tudo o que deseja, comportando-se ora como uma menina mimada, ora como uma adulta maquiavélica. Neste  meio tempo, Irma morre, vítima de pneumonia, e Albinus sequer vai ao enterro... Entra em cena, então, um antigo amante, Alex Rex, conhecido de Albinus de outras situações, e, juntos, eles passam a explorar Albinus, estabelecendo um triângulo amoroso, sem que uma das pontas, Albinus, ingênuo, crédulo e profundamente apaixonado por Margot, perceba. Até que, numa viagem, Albinus é alertado para o fato de ele estar sendo traído, mas, mesmo bastant abalado, aceita a palavra de Margot, que alega que Alex seria homossexual... Enfim, Albinus e Margot sofrem um acidente automobilístico, no qual ela sai ilesa, mas ele fica cego, e, em busca de solução, vão morar na Suíça, para onde Margot carrega Rex, sem que Albinus saiba. Eles vivem assim, Rex e Margot como marido e mulher, torturando e humilhando Albinus, sem que ele compreenda o que está se passando à sua volta. Como os amantes estão esgotando a conta bancário de Albinus, o cunhando resolve investigar o que está acontecendo e flagra Rex vivendo no chalé de Albinus com Margot. Albinus volta para casa de Elisabeth, e só pensa em vingança. Até aqui o livro é primoroso. O desfecho, entretanto, acho-o melodramático e inverossímil. Um dia, Albinus descobre que Margot está no antigo apartamento recolhendo objetos - na verdade, saqueando a casa - e, mesmo cego, enfrenta-a com o objetivo de matá-la. Ele, claro, não consegue acertar o tiro e é, por sua vez, alvejado por ela, e morre. Impressionante história de uma queda moral irreversível...


Avaliação: MUITO BOM

(Março, 2021)