sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Em surdina (1933)
Lúcia Miguel Pereira (1901-1959BRASIL 
Rio de Janeiro: José Olympio, 1979, 137 páginas



Um surpreendente romance feminista - surpreendente porque escrito numa época em que a questão ainda era tabu na sociedade brasileira. Cecília não é muito diferente das jovens cariocas de classe média de seu tempo, o entreguerras. Filha de um médico bem sucedido, o Dr. Vieira - "cirurgião de grande clínica" (p. 8) -, ela foi criada por um tia paterna, dona Sinhazinha, numa casa enorme no Flamengo, e está sendo preparada para arrumar um casamento - "no Brasil, a única saída para as mulheres é o casamento" (p. 109), diz um personagem a certa altura. Mas Cecília busca algo mais que a "escravidão humilde e profunda da maternidade" (p. 39) a que são submetidas as mulheres em seu entorno. Por isso, embora deseje constituir família, luta para manter-se independente financeira e afetivamente. Incompreendida, ela recusa pretendente após pretendente, até mesmo Paulo, "seu único amor" (p. 88), que, quando ela revela sua vontade de trabalhar, recebe como resposta: "o emprego que tenho para você, o melhor, (...) é o de minha mulher" (p. 57). Cecília vai percebendo a vida "aos poucos moldando a máscara humana à sua feição" (p. 109). Mesmo a imagem de sua família, que idealizava como unida e sem falhas, desmorona. Ela descobre que o pai tem amante e não é tão rico quanto imaginava. O irmão adorado, Claudio, que pensava ser um bem sucedido homem de negócios, mete-se com jogatinas e prostitutas, e se suicida, afundado em dívidas. Antonio, um dos irmãos gêmeos, após formar-se em engenharia e casar-se, distancia-se, revelando-se um avarento. O outro irmão gêmeo, João, após voltar de um período de tratamento de tuberculose na Suíça, bate cabeça, tentando se impor como jornalista e escritor. E a irmã, Heloísa, para vingar-se das traições do marido, Décio, médico como o pai, envolve-se com outros homens. Ao final, Cecília se conforma, acha que "fizera uma loucura" (p. 80), e assume, com os primeiros fios de cabelo branco, o papel de tia solteirona. Cecília, que viu a vida "como através de uma bruma" (p. 91), foi consumida, em surdina, pela sociedade. Há um único porém:  o último capítulo, na verdade, uma espécie de epígrafe, totalmente desnecessário... 




Avaliação: BOM


Curiosidade: 


O fato de a Autora ser reconhecida como uma das maiores ensaístas da história da literatura brasileira acabou eclipsando sua produção de livros de ficção.




 (Janeiro, 2019)

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