quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Um episódio distante (1946-1993) 
Paul Bowles (1910-1999) ESTADOS UNIDOS   
Tradução: José Rubens Siqueira     
Rio de Janeiro: Alfaguara, 2010, 230 páginas





Este volume reúne 13 contos, publicados entre 1946 e 1993, que se passam nas mais diversas parte do planeta. Este fato, que poderia ser simplesmente um capricho, a procura de cenários exóticos para emoldurar as histórias, torna-se, nas mãos do Autor, um elemento fundamental para a consubstanciação das narrativas. Isso porque, em sete dos contos, os protagonistas são norte-americanos imersos em culturas que não dominam, e, portanto, submetem-nas ao escrutínio de um olhar estrangeiro, ignorante. Assim é com o professor universitário sequestrado por tribos berberes  ("Um episódio distante") ou com o casal de irmãos isolados à beira do rio Níger ("Muito longe de casa"), ambos tendo como cenário o deserto do Saara, no Mali; e ainda com a melancólica escritora que se deixa levar para uma aventura adolescente nas montanhas do Marrocos ("Chá na montanha"), os três de boa fatura. Ou então nos excelentes "Parada em Corazón" (descrição do fim de uma relação amorosa em plena lua-de-mel no meio da selva do extremo norte da Colômbia); "Páginas de Cold Point" (relato da descoberta pelo pai da homossexualidade do filho, durante um período de residência num lugar isolado do litoral de Belize); "O pastor Dowe em Tacaté" (o confronto de um pastor pentecostal com nativos das florestas sul-americanas, a quem tenta impingir, sem sucesso, sua religião); e "No quarto vermelho" (o contato com um homem, no Sri Lanka, que guarda no passado um crime terrível).  Dos outros seis contos, que não são protagonizados por norte-americanos, destaco ainda dois ótimos: "Em Paso Rojo", uma aproximação à crueldade e ao preconceito de brancos contra não brancos no interior do México, e "A presa delicada", uma narrativa de violência e vingança entre tribos nômades do deserto, no interior de Marrocos. Os outros quatro, todos passados no Marrocos e protagonizados por personagens árabes ou berberes, são apenas bons: três são relatos de histórias vivenciadas em estado de embriaguez provocado pelo consumo de kif (um narcótico parecido com o haxixe): "Ele da Assembléia", "Allal" e "À beira da água"; o quarto conto é uma pungente história de abandono, "O escorpião".


Curiosidade:


À página 116 o Brasil é citado, quando o pastor Dowe "(do conto "O pastor Dowe em Tacaté") relembra sua vida: "(...) a tarde ensolarada em que o tinha comprado [um estojo de óculos] em uma ruazinha do centro de Havana; os anos agitados nos montes do sul do Brasil (...)". Embora, sinceramente, não seja possível, pelo menos para mim, imaginar o que seriam esses "montes do sul do Brasil"...



Avaliação: MUITO BOM

(Dezembro, 2019)


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