quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

O tempo e o vento
(Parte I - Volume 1: O Continente) (1949) 
Erico Veríssimo (1905-1975)  BRASIL 
São Paulo: Companhia das Letras, 2005, 413 páginas



Monumental saga sobre a história política do Brasil (sobre sua formação geográfica, econômica, social, política, imaginária) composta por três partes divididas por sua vez em sete volumes. Este primeiro volume da Parte I descreve as trágicas aventuras dos primeiros colonizadores do atual estado do Rio Grande do Sul, desde seus primórdios, em 1745, quando nasce na missão de São Miguel um índio chamado Pedro. Em 1756, Pedro conseguirá fugir da destruição da missão jesuítica (uma das que formavam os chamados Sete Povos das Missões) e acaba, muitos anos  depois, dando os costados na pequena estância de Maneco Terra e sua família, gente vinda de Sorocaba, no estado de São Paulo (história contada em "A fonte"). Após ser tratado de um ferimento provocado por bala, Pedro é aceito como agregado. Ali trabalha no eito, junto com Maneco e seus dois filhos, Horácio e Antônio, enquanto a mulher, dona Henriqueta, e a filha, Ana, cuidam do serviço doméstico. Pedro e Ana se apaixonam, ela engravida, e esse amor impossível (afinal, Pedro é um índio) acarreta uma sentença de morte para Pedro, executada pelos dois filhos de Maneco. Mais tarde, Ana assistirá a chegada de um bando de castelhanos na estância, que mata Maneco e um dos filhos, Antônio (o outro, Horácio, vivia de comércio em Rio Pardo) e a estupra várias vezes - mas conseguirá salvar ilesos a cunhada e sobrinha, Eulália e Rosa, e seu filho, também nomeado Pedro. Sozinha, Ana decide deixar aquele lugar inseguro e parte, em 1790, com o filho, a cunhada e a sobrinha, para uma estância distante, Santa Fé, pertencente ao coronel Ricardo Amaral (história contada em "Ana Terra"). Muitos outros anos se passam. A neta de Ana Terra, Bibiana, vive com o pai, Pedro, e o irmão Juvenal, em Santa Fé, agora um povoado. Moça bonita, rejeita a corte de vários rapazes, inclusive de Bento Amaral, neto do coronel Ricardo Amaral, mandatário de toda a região. Em fins de outubro de 1828, chega o coronel Rodrigo Severo Cambará, "olhos de águia, insolente e simpático" (p. 362), um fanfarrão disposto a assentar praça no lugar. Rodrigo acabará apaixonando-se por Bibiana, e na festa de casamento de Rosa, prima de Pedro, com um moço de Porto Alegre, é desafiado para um duelo com Bento Amaral. Rodrigo consegue marcar à faca o rosto de Bento, mas é traído por ele, que acerta um tiro em seu peito, colocando-o entre a vida e a morte. Quando se recupera, pede ao padre Lara que interceda junto a Pedro Terra para que ele aceite o seu pedido de casamento com Bibiana. Contrariado, Pedro cede, e Bibiana e Rodrigo se casam. Ele resolve abrir um armazém junto com o cunhado, Juvenal, mas ao longo de sua vida em comum com Bibiana não consegue domar seu estado natural de levar uma vida de brigas, de jogo, de mulheres, de confusão. E a tudo Bibiana aceita, enquanto vai engravidando: primeiro, de Bolívar, depois de Anita, depois de Leonor. Um dia, em 1835, Rodrigo adere entusiasmado às tropas revolucionárias, chamadas farroupilhas, e desaparece, até voltar a Santa Fé e ser morto, durante o assalto ao casarão de Bento Amaral, que permanecera fiel ao governo central (história contada em "Um certo capitão Rodrigo"). Entremeando as histórias - usando de forma magnífica a técnica do contraponto - o Autor conta a história de um outro cerco a um outro sobrado num outro tempo, 1895. Dividida em quatro partes, "O Sobrado" conta a história da resistência de Licurgo Terra Cambará, filho de Bolívar e portanto neto do capitão Rodrigo, "intendente e chefe político republicano" de Santa Fé (p. 22), em seu sobrado, às forças federalistas comandadas pelo coronel Alvarino Amaral, neto de Bento Amaral. Dentro do Sobrado, sem água, sem comida, quase sem munição, a mulher de Licurgo, Alice, dá à luz uma criança morta. Com ele, além de alguns poucos correlegionários, estão a cunhada, Maria Valéria, o sogro, Florêncio, e os dois filhos pequenos, Rodrigo e Turíbio. Muito mais que contar a história de guerras e de heroísmos viris, "O Continente" é a narrativa do destino das mulheres da família Terra, como resume Ana: "fiar, chorar e esperar" (p. 305). E o pensamento do dúbio padre Lara sobre a História serve de guia à saga e fica como reflexão para os tempos que correm: "Não deixava de ser curioso a gente ver a história no momento mesmo em que ela estava sendo feita! (...) As pessoas dificilmente contavam as coisas direito. Mentiam por vício, por prazer ou então alteravam os fatos por causa de suas paixões. (...) Como é então que a gente podia ter confiança na história?" (p. 349)


Avaliação: MUITO BOM

(Dezembro, 2019)

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