sexta-feira, 15 de abril de 2016

Robinson Crusoé (1719) 
Daniel Defoe (1660-1731) - Inglaterra         
Tradução: Vera Veloso             
São Paulo: Círculo do Livro, 1995, 255 páginas 


Mais que narrativa de aventura, trata-se da apologia do sistema mercantilista, momento de acumulação de riquezas que redundaria no capitalismo. O autor consegue, por meio da história de um náufrago, Robinson Crusoé, recriar a trajetória da Humanidade, desde a domesticação de plantas e animais (instaurando a agricultura e a pecuária) até a fabricação de objetos que facilitam a vida cotidiana, como móveis, ferramentas e utensílios. Crusoé aparece como símbolo do homem que estende "os seus domínios" e propaga "a civilização por todo o lado" (p. 227), ou seja, que impõe-se como colonizador (no caso, de uma ilha no Caribe) e como baluarte do cristianismo em oposição à "barbárie" dos nativos. É curioso observar a onipresença do Brasil no livro. É aqui que Crusoé estabelece-se como fazendeiro (mais especificamente na Bahia), e daqui que sai para contrabandear escravos da África, quando então seu navio afunda e ele se vê longe de tudo e de todos por 35 anos (24 deles sozinho e outros 11 na companhia de um criado que nomeia como Sexta-feira), até ser resgatado e levado de volta à Inglaterra. O Brasil ainda aparece como fonte de sua fortuna e como ponto de partida de sua última viagem, quando, comerciando pelas costas da África e da Ásia chega à China, de onde volta por terra, estabelecendo-se em definitivo em Londres.




Avaliação: BOM 
(Abril, 2016)


Entre aspas


"É curioso como não nos envergonhamos de uma má ação, mas sim de mostrar arrependimento por a termos cometido". (p. 11)

"(...) não há na vida, situação, por má que seja, que não tenha o seu lado bom." (p. 43)



terça-feira, 12 de abril de 2016

1933 foi um ano ruim (1985) 
John Fante (1909-1983) - Estados Unidos      
Tradução: Fernando S. Vugman       
São Paulo: Brasiliense, 1990, 124 páginas


Publicado postumamente, este romance narra em primeira pessoa a história de Dominic (Dom) Molise, adolescente sonhador de 17 anos, filho de um pedreiro italiano e de uma dona de casa nascida em um cortiço de Chicago, também filha de italianos. Numa casa pobre, situada nos limites da cidadezinha de Roper, no Colorado, ele divide espaço ainda com dois irmãos (August e Frederick) e uma irmã, Clara, além da avó Bettina. O inverno rigoroso das Montanhas Rochosas impede o pai de exercer a profissão e é jogando bilhar que ele consegue algum dinheiro para o sustento da família. No frio congelante daquela estação, Dom vai se deparar com a infidelidade do pai, a solidão da avó que não fala inglês, a tristeza profunda da mãe que se refugia no catolicismo, a falta de perspectiva dos imigrantes, condenados a repetir o percurso dos antepassados. Então, ele decide tentar a vida na Califórnia como jogador de beisebol, e para isso planeja uma fuga com seu único amigo, Kenny Parrish, filho do homem mais rico do lugar. Trágico, melancólico, dolorido, perfeita descrição do rito de passagem para o mundo adulto.



Avaliação: OBRA-PRIMA 

(Abril, 2016)


segunda-feira, 11 de abril de 2016


Viagem à lua (1657) 
Cyrano de Bergerac (1619-1655) - França     
Tradução: Fulvia M. L. Moreto      
São Paulo: Globo, 2007, 226 páginas





Não tomemos ao pé da letra o título do livro imaginando tratar-se de uma história de ficção científica. A viagem que o protagonista faz à lua é apenas um artifício brilhante para a consecução deste romance filosófico. O autor cria um astuto narrador que aparentemente defende pontos de vista científicos, morais e religiosos de acordo com a ortodoxia de sua época contra o pensamento revolucionário e herético dos selenitas (habitantes da lua). Mas ao expor, nos diálogos, essas concepções contrárias à Igreja, tanto no plano teológico quanto científico, ele na verdade está satirizando o reacionarismo das instituições com uma piscadela de olhos para o leitor inteligente. É impressionante a quantidade de questões levantadas, abrangendo os mais diversos campos do conhecimento, e mais ainda a ousadia da perspectiva assumida pelo autor. Surpreende-nos que em meados do século XVI ele defenda a ideias como a de que tudo o que existe pode ser reduzido à matéria (átomo) que se reconfigura como composição físico-química ou a de que a Terra gira em torno do Sol (assuntos ainda tabus naquele momento). Mas também são abordados , entre outros, temas como a existência de Deus, a infinitude do universo, a obediência que os filhos devem aos pais, a cremação e até mesmo o veganismo. Além disso, antecipa o áudio-livro!!! (v p. 107-108)

       



Avaliação: MUITO BOM

(Abril, 2016)


Entre aspas


"(...) assim como Deus pôde fazer a alma imortal, pôde fazer o mundo infinito, se é  verdade que a eternidade não é outra coisa senão uma duração sem limites e o infinito, uma extensão sem limites. E, além disso, Deus seria ele mesmo finito, se supomos que o mundo não seja infinito, visto que não ele poderia aumentar o tamanho do mundo sem acrescentar alguma coisa à própria extensão, começando a existir onde não existia antes". (p. 25-26)

"(...) se vosso pai não vos ordena nada que contrarie as aspirações do Altíssimo, eu vos aprovo; de outro modo, caminhai sobre o ventre que vos engendrou, tripudiai sobre o seio da mãe que vos concebeu, pois imaginar que esse covarde respeito que os pais depravados tenham arrancado de vossa fraqueza seja tão agradável ao céu ao ponto de por isso alongar minha vida, nada vejo nisso de razoável". (p. 83)

















Avaliação: BOM

(Outubro, 2015)




Entre aspas

"Falamos da polític

sábado, 26 de março de 2016

28 Contos (1946-1978) 
John Cheever (1912-1982) - Estados Unidos  
Tradução: Jorio Dauster, Daniel Galera            
São Paulo: Cia das Letras,2010, 359 páginas 



Os 28 contos que formam essa coletânea reúnem uma ótima amostra desse excelente escritor. Representando basicamente o universo de classe média dos subúrbios de Nova York, o autor desvenda, com profunda compreensão, as agruras das famílias formadas por jovens e empreendedores casais correndo atrás de dinheiro e vivendo de aparências. Por trás das paredes das casas confortáveis, do rosto das crianças saudáveis, dos olhares da vizinhança acolhedora, esconde-se a pressão dos que perseguem a realização do sonho norte-americano. Infelizes, solitários, comuns - para não dizer vulgares -, os personagens afundam em vidas vazias regadas a álcool e compromissos sociais. Em geral, os escritores vão perdendo o ímpeto ao longo de sua trajetória - mas não no caso de Cheever. A excepcional qualidade alcançada, por exemplo, com as narrativas do início da carreira, como "O enorme rádio", de 1947, ou "Adeus, meu irmão", de 1951, continuará a ser encontrada em "O nadador", de 1964, ou "O mundo as maçãs", de 1973. Essa é a tônica de todo o livro, por isso, difícil destacar um ou outro título, todos os textos são realmente muito bons.



Avaliação: MUITO BOM

(Março, 2016)


segunda-feira, 7 de março de 2016

Contos (1868-1871) 
Bret Harte (1836-1902) - Estados Unidos  
Tradução: Marques Rebelo, Yolanda Toledo, José Paulo Paes           
São Paulo: Cultrix,1986, 201 páginas 



O far-west produziu pelo menos um escritor notável: o contista Bret Harte. Esta seleção reúne 13 narrativas que têm em comum, além de personagens que reaparecem em várias das histórias, a região de Sacramento, na Califórnia, à época da Corrida do Ouro (década de 1850). Mineiros, pistoleiros, jogadores de carta, prostitutas, gente em busca de fortuna fácil, convivem em alojamentos provisórios, de tudo carentes. Há pelo menos três pepitas que merecem estar em qualquer antologia do gênero: "A fortuna do Campo Trovejante", "Os exilados de Poker Flat" e "O idílio de Red Gulch". Nelas, o autor exercita o que tem de melhor, o olhar generoso e solidário para com os deserdados. Harte descobre grandes almas por sob a roupa fétida, os cabelos desgrenhados, as maneiras primitivas de homens e mulheres brutalizados. O livro padece de certa irregularidade, comum em coletâneas deste tipo. Ao lado de obras-primas, como as anteriormente mencionadas, e bons contos ("O sócio do Tennessee", "Brown de Calaveras"), nos deparamos com anedotas ("O idílio de Sandy Bar", "Uma ingênua das serras", "O poder da imprensa", "Um cão amarelo"), e textos que margeiam o sentimentalismo ("De como Papai Noel veio a Simpson's bar", "Miggles""O nível da cheia", "Melissa").


Avaliação: MUITO BOM

(Março, 2016)


sexta-feira, 4 de março de 2016

Se um viajante numa noite de inverno (1979) 
Italo Calvino (1923-1985) - Itália  
Tradução: Margarida Salomão          
São Paulo: Círculo do Livro, s/d, 246 páginas 



O resumo do "enredo" está claramente exposto entre as páginas 185-186: "Ocorreu-me a ideia de escrever um romance feito totalmente de inícios de romances. O protagonista poderia ser um Leitor que se vê continuamente interrompido. O Leitor adquire um novo romance A do autor Z. Mas o exemplar é defeituoso, contém exclusivamente o início... o Leitor retorna à livraria para trocar seu exemplar..." Poderíamos enquadrar esse livro dentro da ficção policial. O romance está morto e há vários suspeitos pelo seu assassinato: a crítica, o mercado editorial, o leitor, o próprio autor. Mas são infinitas as possibilidades de abarcá-lo. Romance de aventura, de viagem, de amor, tudo cabe em suas páginas e não as esgotam. E também não o definem, pois trata-se essencialmente de uma reflexão sobre os impasses da literatura, sobre o prazer de narrar e sobre a fruição da leitura. A sua estrutura labiríntica e o tom onírico deve muito às "Mil e uma noites". As falsificações e o clima especular são tomados de empréstimo do argentino Jorge Luis Borges (1899-1996). Mas há ali também algo de "Três tristes tigres"*, do cubano Guillermo Cabrera Infante (1929-2005). Intertextual, irônico e autocentrado, Se um viajante numa noite de inverno é um romance que agrada mais ao sistema literário (escritores e críticos) que aos leitores comuns.



* São Paulo: Global, 1980. Tradução de Stella Leonardos.

  


Avaliação: BOM

(Março, 2016)


Entre aspas

"(...) cada momento de minha vida traz consigo um acúmulo de fatos novos que trazem consigo consequências, de modo que, quanto mais procurar retornar ao ponto de partida, ao ponto zero, mais me distancio (...)"  (p. 19)

"O romance que tenho vontade de ler neste momento (...) é aquele que tirasse toda a sua força motriz da vontade única de contar, de acumular história sobre história, sem pretender impor uma visão do mundo; um romance que simplesmente fizesse você assistir a seu próprio crescimento, como uma planta, com seu intrincado de ramos e de folhas..." (p. 88)

"É na página, e não antes, que a palavra - mesmo a palavra do arrebatamento profético - torna-se definitiva, transformando-se em escrita. É nos limites do ato da escrita que a imensidade do não-escrito torna-se legível, quero dizer, através das incertezas da ortografia, dos equívocos, dos lapsos, dos desvios incontroláveis da palavra e da pena." (p. 172-173)

"Acredita que toda leitura deva ter um princípio e um fim? Antigamente, a narrativa só tinha duas maneiras de terminar: uma vez passadas suas provações, o herói e a heroína se casavam ou morriam. O sentido último a que remetem todas as narrativas comporta duas faces: o que há de continuidade na vida, o que há de inevitável na morte". (p. 242)

  

quarta-feira, 2 de março de 2016

O fogo (1916
Henri Barbusse (1873-1935) - França
Tradução: Livia Bueloni Gonçalves       
São Paulo: Mundaréu, 2015, 404 páginas


Curioso, este romance. O autor já era um conhecido escritor quando se inscreveu como voluntário para lutar na I Guerra Mundial. Participou das primeiras batalhas, as mais sangrentas, ao longo de 1914, e no ano seguinte, convalescendo de ferimentos, concebeu O fogo, concluído em dezembro de 1915 e publicado em 1916, quando a guerra permanecia estacionada nas trincheiras. A impressão é de que o alistamento ocorreu exclusivamente porque ele intuiu naquele cenário a oportunidade ideal para a construção de um épico. Aliás, no capítulo 13, o narrador conversa com um personagem sobre o livro que vai escrevendo, entre rajadas de metralhadoras e explosões de bombas. No entanto, apesar do caráter documental - ou talvez por isso mesmo - o resultado deixa a desejar. Preocupado em pintar um retrato detalhista de pessoas, coisas e lugares, acaba borrando as singularidades: o romance é "verossímil", mas não "real"... Composto por 24 capítulos, em que cada um tenta ser o relato completo de um dado episódio, evoca tantas minúcias que perdemos a noção do conjunto. 


  
Avaliação: BOM

(Março, 2016)


Entre aspas

"Dois exércitos em luta são um grande exército que se suicida". (p. 33)