quarta-feira, 24 de novembro de 2021

O amigo perdido  

Hella Haasse (1918-2011) - HOLANDA  

Tradução: Daniel Dago          

São Paulo: Rua do Sabão, 2021, 129 páginas 



Neste romance curto, a Autora assume uma voz masculina, de um engenheiro holandês sem nome, que rememora sua infância e adolescência passada nas então chamadas Índias Holandesas, hoje Indonésia, onde seu pai administrava uma propriedade. A narrativa, muito bem urdida, vai nos apresentando aos poucos o cenário e os personagens que nele circulam. Inicialmente, em Kebon Jati, ele mora com o pai e a mãe numa casa afastada dos "nativos", onde convive com Urug, um menino nascido exatamente na mesma época, filho de Deppoh, capataz da propriedade. Ali, o narrador vive um idílio - soltos, e inseparáveis, ele e Urug se misturam à paisagem, transformando os dias em intensas brincadeiras. Tão irmanados encontram-se, que o narrador fala muito melhor o sundanês - língua local - que o holandês, para desespero dos pais. Até que um dia ocorre uma tragédia: o barco em que pescavam, a família e amigos, afunda e Deppoh, tentando salvar o narrador, acaba morrendo afogado. O pai do narrador então toma à sua responsabilidade a educação de Urug. Neste intervalo, a mãe do narrador foge para a França e o pai resolve passar uma temporada em viagem - volta casado, a nova mulher grávida. Começa então uma segunda fase na vida dos pequenos amigos: eles vão estudar em Sukabumi, cidade próxima, mas em escolas separadas: o narrador numa escola para crianças holandesas, Urug numa escola para crianças nativas e "mestiças". Aqui, na verdade, começa, sem que eles saibam, uma cisão que mostrará, ao longo do tempo, as profundas cicatrizes provocadas pela colonização, ou, em outras palavras, os malefícios da ocupação e exploração de uma civilização por outra. O narrador mora numa pensão para crianças holandesas, Urug numa pensão administrada por Lida, uma holandesa que aos poucos envolve-se com ele, tratando-o como o filho que não teve. Em Sukabumi, o narrador e Urug começam a se afastar, ainda que mantenham laços afetivos. Urug, pouco a pouco, adota hábitos ocidentais, querendo a todo custo enterrar seu passado de "nativo", do qual se envergonha. No entanto, Lida consegue colocar Urug na mesma pensão que o narrador e, então, pela primeira vez, Urug - e o narrador - percebem que vivem em mundos distantes, que um é o colonizador e o outro o colonizado. Urug conhece Abdalla e dá outra guinada em sua vida: renuncia aos hábitos ocidentais e assume roupas e costumes indonésios. Mais à frente, o narrador vai estudar engenharia na Holanda, enquanto Urug e Abdalla mudam-se para Surabaia, para fazer medicina numa escola separada. Urug torna-se militante da causa indonésia - isso antes de explodir a II Guerra Mundial. Em 1945, a Indonésia declara independência, unilateralmente, e a Holanda tenta ainda manter a ex-colônia. É nesse momento que, formado, o narrador volta àquela terra, que julga também sua, e vai se defrontar com a realidade de ser um forasteiro. O livro é um retrato vivo dos efeitos da política colonialista europeia - tanto no nível coletivo, quanto no individual. 


Avaliação:  MUITO BOM

(Novembro, 2021)


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