terça-feira, 14 de abril de 2020

A última tentação (1951)
Nikos Kazantzákis (1883-1957) - GRÉCIA      
Tradução: Marisa Ribeiro Donatiello           
São Paulo: Grua, 2015, 517 páginas





O Autor reescreve a história dos três últimos anos de vida de Jesus Cristo, usando os Evangelhos como base, mas tomando liberdade para criar novas cenas e insuflar características próprias aos personagens. Segue bem de perto o desdobramento da narrativa tradicional, mas dando ao protagonista uma humanidade - melhor, uma carnalidade - que, se o aproxima de nós, leitores, ao mesmo tempo afasta-o dos preceitos canônicos (tanto que o livro esteve no Index das igrejas católicas e ortodoxa por muitos anos, o que demonstra a estupidez e o obscurantismo das religiões, ou pelo menos de seus dirigentes). A questão mais relevante do romance é trazer à tona um sujeito que contradiz, inicialmente, todas as expectativas aguardadas para um ser divino. Jesus mora em Nazaré com sua mãe, Maria, e seu pai, José, paralítico, e tem por ofício fabricar cruzes para os romanos crucificarem os judeus rebelados. Pouco a pouco, ele vai tomando consciência de que pode ser o Messias tão aguardado e tão desejado naqueles tempos conturbados, de ocupação romana e de opressão pela própria elite corrupta que dominava Jerusalém. Então, angustiado e indeciso, ele sai à procura de um sinal que confirme ou não que seria ele mesmo o Filho do Homem que iria libertar o povo de Israel. Quando finalmente se convence de que é o Escolhido, começa a pregação itinerante e lidera um bando de espoliados - pescadores, pastores, pequenos comerciantes -, arregimentando como seu braço-direito Judas, um ativista zelote, que recebe, segundo o entrecho imaginado pelo Autor, a pior incumbência, a de trair Jesus para que ele pudesse cumprir o seu papel, de morrer pelos homens, livrando-os de todos os pecados e para que pudessem ressuscitar, após a morte, no Reino dos Céus. Antes ainda, já na cruz, Jesus sofre uma última tentação de Satanás: ao invés de morrer crucificado, por que não viver uma vida normal, casar, ter filho, netos, desfrutar enfim das coisas terrenas? É neste sonho-tentação que encontra com Paulo - que na minha opinião é o verdadeiro edificador do Cristianismo - e ouve dele uma terrível sentença: "(...) não estou nem um pouco preocupado com verdades e mentiras, se o vi ou não, se foi crucificado ou não. Com obstinação, paixão e fé, eu crio a verdade. Não luto para encontrá-lo, eu o construo" (p. 493-494). O romance defende uma tese interessante - a profunda humanidade de Cristo -, mas que perde a força como ficção, porque o fio da história não nos traz surpresas, porque a linguagem usada (que tenta emular a linguagem bíblica, poética e fantástica) esgota-se em si mesma, porque os personagens - mesmo Jesus em suas idas e vindas - são tipos que agem segundo um plano pré-concebido. 


Entre aspas:

"(...) as palavras nunca conseguem esvaziar o coração do homem e aliviá-lo, só o silêncio (...)" (pág. 369-370)

 Avaliação: BOM


(Abril, 2020)


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