terça-feira, 18 de setembro de 2018

O marquês de Roccaverdina (1901)
Luigi Capuana (1839-1915) - ITÁLIA                   
Tradução: Eugênio Vinci de Moraes      
São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2005, 381 páginas



Antonio Schirardi, o marquês de Roccaverdina, vivia isolado em suas terras, na região de Ràbbato, aos pés do monte Etna, na Sicília, "entre os camponeses que o temiam e não lhe queriam bem, porque os tratava pior do que escravos e nunca lhes dirigia uma palavra de apreço" (p. 69). Quando o conhecemos, ele já se livrou de Agrippina Solmo, uma camponesa, tomada por ele ainda menina e tornada amante, "não uma amante qualquer, mas uma verdadeira escrava, boa, submissa... que ainda tinha a grande vantagem de não fazer filhos" (p. 108). Após dez anos de concubinato, para escândalo da sociedade, o marquês a havia casado com um empregado, Rocco Criscione, que deveria manter o casamento na aparência, sem consumá-lo, ganhando, em troca, livre trânsito nas terras do marquês. O problema é que o marquês tinha obsessão por tudo o que lhe pertencia - e por conta dos ciúmes de Agrippina, não ciúmes de amante, mas de proprietário, ele acaba assassinando Rocco, numa tocaia. Um outro empregado seu, Neli Casaccio. é preso, acusado pelo homicídio, e o advogado Guzzardi arrebanha as testemunhas que confirmam os indícios de que Neli alimentava vingança contra Rocco, por este assediar sua mulher. O marquês de Roccaverdina trava então uma luta interior, entre a culpa que o corrói, e a certeza da impunidade, amparada em sua arrogância. Acuado pelas visões do advogado Guzzardi, que, espírita, diz encontrar com a alma de Rocco, e anuncia acreditar na inocência de Neli Casaccio, o marquês confessa o crime ao padre, dom Silvio La Ciura. A partir daí, aumenta ainda mais a "inquietadora sensação de caminhar sobre um terreno nada firme que poderia a qualquer momento afundar-se sob seus pés" p. 180), pois cada frase, cada gesto, cada olhar, parece incriminá-lo. Neste ínterim, para tentar amainar a culpa, ele propõe casamento a Zòsima Mugnos, uma nobre cujo pai perdera toda a fortuna, "por causa dos vícios da gula e do jogo" (p. 110), e organiza uma cooperativa para a produção de vinho e azeite. Agrippina se casa novamente e muda-se para um lugar distante dois dias de viagem; Neli Casaccio morre na cadeia; um pequeno proprietário, Santi Dimauro, obrigado a vender suas terras para o marquês, se enforca perto da sede da cooperativa, e o padre La Ciura morre de exaustão, ao ajudar os pobres durante uma epidemia de tifo. Tudo é derrocada. O casamento com Zòsima não traz felicidade a nenhum dos dois - ela percebia "que havia entrado na vida dele com a mesma importância das mós, dos esmagadores de uva, das prensas e de todos os outros equipamentos que o mantinham ocupado, sem que no coração dele vibrasse algo de mais íntimo, de mais doce" (p. 229). Além disso, Zòsima não consegue livrar-se da sombra de Agrippina sobre a casa onde agora é a senhora... Afinal, também a cooperativa resulta em fracasso: o vinho produzido mostra-se de péssima qualidade e as dívidas contraídas começam a ser cobradas. O marquês, tomado por alucinações, confessa, aos berros, ser o verdadeiro assassino de Rocco, enlouque e é abandonado pela mulher. No final, antes de morrer, recusando-se a comer, e totalmente privado da razão, é assistido por Agrippina, que, embora pouco presente no livro, é a verdadeira protagonista. Ainda há, como pano de fundo, a longa seca que traz a fome, a miséria e o tifo à região, numa Itália recém-unificada, e fascinantes personagens secundários, como o advogado Guzzardi, o primo ateu e blasfemo Pergola, o tio Tindaro, arqueólogo amador, e a baronesa de Lagomorto com seus cachorrinhos... Um grande ficcionista é aquele que consegue provocar empatia mesmo quando constrói personagens execráveis, como é o caso do marquês de Roccaverdina... Um grande romance!


(Setembro, 2018)

Avaliação: MUITO BOM


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