terça-feira, 1 de maio de 2018

O jardim dos Finzi-Contini (1962)
Giorgio Bassani (1916-2000) - ITÁLIA           
Tradução: Sandra Lazzarini  
Rio de Janeiro: Record, s/d, 222 páginas




Certa vez ouvi, de um sujeito que se dizia escritor, que a trama de qualquer livro poderia ser condensada nos 140 caracteres de um twitter. Eu respondi a ele que sim, talvez a trama de um volume medíocre... O grande livro, para mim, é exatamente aquele não conseguimos resumir, de maneira alguma... Do que trata esse romance, cuja história transcorre no final dos anos 1930, ou seja, no período imediatamente anterior à Segunda Guerra Mundial? Poderíamos afirmar que é o relato da paixão não correspondida do narrador por Micòl, herdeira dos Finzi-Contini, uma família judia da alta burguesia de Ferrara. E não estaria errada nossa explanação - não estaria errada, mas certamente estaríamos mutilando, e muito, o significado do livro, pois permaneceríamos na superfície do que vai contado. A turbulenta relação entre o narrador e Micòl - ele, estudante de letras em Bolonha, filho de um "judeu moderno", "livre pensador e fascista com carteira desde 1919" (p. 30), comerciante da classe média ferraresa; ela, riquíssima e belíssima ("cabelos louros e leves, estriados de mechas quase brancas, íris azul, quase escandinavas, pele cor de mel" (p. 98), também estudante de letras, mas em Veneza - é uma das leituras possíveis. Mas o romance também é uma evocação, comovente, da inexorável passagem do tempo: "Para mim, e não menos para ela [Micòl], mais do que o presente, o passado é que tinha importância (...). O meu desejo de que o presente se tornasse 'logo' passado, para que eu pudesse amá-lo e extasiar-me com ele (...) Este era o 'nosso' vício: seguir em frente com as cabeças sempre voltadas para trás" (p. 167). Mas o livro é ainda uma denúncia, terrível, contra a alienação e a inércia em momentos sombrios. Vivendo apartados em sua mansão, os Finzi-Contini não percebem, ou não querem perceber, a chegada da onda cruel do fascismo, que, ao fim e ao cabo, leva-os a todos - o professor Ermanno, sua mulher, Olga, a sogra, Regina, os cunhados de Veneza - para a morte nos campos de concentração nazistas. Melancólica evocação de um mundo enterrado nos escombros do fanatismo ideológico, trata-se de um daqueles livros que cumprem de maneira indiscutível o papel reservado à literatura, que é o de nos transformar por meio da empatia com o outro.




(Maio, 2018)



Avaliação: OBRA-PRIMA

Entre aspas: 



"Na vida, se alguém quer entender, entender verdadeiramente, como são as coisas neste mundo deve morrer pelo menos uma vez. Então, já que a lei é essa, melhor morrer quando jovem, quando se tem muito tempo pela frente, para se erguer e ressuscitar... Entender quando velho é terrível, muito mais terrível..." (pág. 212)



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