segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Pequeno mundo antigo (1896) 
Antonio Fogazzaro (1842-1911) - Itália        
Tradução: Ivone Benedetti   
São Paulo: Carambaia, 2016, 457 páginas



O jovem aristocrata Franco Barioni renuncia a títulos e riqueza para se casar com uma plebeia, Luisa Rigey, provocando a ira da avó que o criou, a marquesa de Orsolo. O que poderia, em outras mãos, se transformar em mais uma daquelas tantas vezes lidas histórias românticas com final feliz, torna-se uma portentosa narrativa sobre amor e sobre política e sobre religião. É impressionante como o Autor consegue aprofundar-se nas relações do casal, que a todo momento trocam os papéis - ora Luisa mostra-se altruísta, forte e determinada, e Franco egoísta, indolente e hesitante; ora Franco abraça as causas coletivas com entusiasmo e vibração, enquanto Luisa afunda no individualismo e na passividade. É verdade que para pintar protagonistas tão vivos e complexos, o Autor desenha os coadjuvantes com débeis traços de quase caricatura, mas nada diminui a grandiosidade das suas quase 500 páginas, que se lê com emoção e prazer. Desde o início, Luisa, mulher que aspira a um lugar de evidência em uma sociedade patriarcal e machista*, compreende que o afeto por Franco, sensível mas pouco prático para as coisas do cotidiano, vai afrouxando-se. E, honesta, expõe ao marido suas dúvidas, o que termina por distanciá-los. Ademais, a marquesa de Orsolo se vinga da rebeldia do neto comprometendo o tio de Luisa, o engenheiro Piero Ribera - que com seu salário de funcionário público sustentava o casal - em uma rede de conspiração contra o Império Austro-Húngaro, que domina a região norte da Itália (Vêneto e Lombardia), onde transcorre a ação. Sem dinheiro, à beira da indigência, Franco muda-se para Turim, exercendo o jornalismo para sustentar a família deixada em Valsonda, aldeia na fronteira com a Suíça, às margens do lago Lugano. A morte da única filha do casal, Maria, descrita em algumas das mais pungentes páginas da literatura mundial (p. 333-341), acaba por reaproximá-los**. Luisa engravida, Franco toma armas contra o opressor - é o nascimento de uma nova era, é o fim do pequeno mundo antigo.



* V. a discussão entre Franco e Luisa, à pág. 204, quando ela se rebela em um formidável discurso protofeminista.
** Desesperada pela morte da filha, Luisa busca ajuda no sobrenatural, naqueles que creio sejam os primeiros registros, em ficção, da prática do espiritismo, embora, curiosamente, não se toque no nome de seu maior divulgador, Allan Kardec (V. pág. 412-414): "O professor Gilardoni, estranha mescla de livre pensador e místico, lera com imenso interesse as coisas espantosas que se contavam sobre as irmãs americanas Fox, sobre as experiências de Eliphas Levi, acompanhara o movimento espírita que se propagara rapidamente pela Europa como uma mania que tomava conta de cabeças e mesas". (p. 405).

Curiosidade:
O Brasil aparece à pág. 132, nas palavras do hipernacionalista pró-Império Austro-Húngaro, Carlo Bianconi, o Biancón, Recebedor de Oria: "Não admitia que o Brasil fosse mais extenso que o Império Austríaco (...)".



Avaliação: MUITO BOM  

(Outubro, 2016)


Entre aspas


"A imortalidade da alma é uma invenção do egoísmo humano, que, no fim das contas, quer fazer Deus servir a seu próprio interesse. Queremos um prêmio pelo bem que fazemos aos outros e uma punição pelo mal que os outros nos fazem. Em vez disso, deveríamos nos conformar em morrer totalmente, como todos os seres vivos, e, enquanto estivermos vivos, a agir com justiça conosco e com os outros, sem esperança de prêmios futuros, só porque Deus quer isso de nós, assim como quer que toda estrela dê luz e toda planta dê sombra" (p. 146-147)



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