O risco do bordado (1970)
Autran Dourado (1926-2012) - BRASIL
Rio
de Janeiro: Rocco, 1999, 221 páginas
Dividido em sete partes
(ou blocos) que podem ser lidos de forma independente, este romance narra
episódios da adolescência de João da Fonseca Nogueira em Duas
Pontes, pequena cidade imaginária do interior de Minas Gerais. Cada bloco
expõe uma experiência essencial da vida do personagem: “Viagem à Casa da Ponte”
é a descoberta da sexualidade (mas também da culpa religiosa), a paixão
platônica pela prostituta Teresinha Virado; “Nas vascas da morte” tem como
fulcro o falecimento do tio-avô Maximino, quando aparecem, sutilmente, as
brigas da família; “Valente Valentina”, o amor, que ainda não é o verdadeiro,
concebido com mácula e remorso; “As voltas do filho pródigo” evidencia a
arrebatadora figura do tio Zózimo, que de tempos em tempos some e ressurge na
casa dos pais e que carrega um terrível e subterrâneo sofrimento; “Assunto de
família” regressa aos tempos do bisavô, Zé Mariano, que após construir uma
fortuna com a Fazenda do Carapina, larga a mulher, dona Pequetita, e vai se
refugiar no Sítio da Barra, que legou a um filho natural, pardo, Valdomiro,
tido com uma agregada ainda antes de se casar; “O salto do touro” descreve a
atração física pela tia Margarida, irmã da mãe, estranha mistura de erotismo e
culpa, que termina de forma patética (e trágica); “As roupas do homem”,
dividido por sua vez em quatro trechos, narra a história do fascinante Xambá,
bandido cruel e ao mesmo tempo ingênuo – e coloca em cena o outro tio, Alfredo,
estudante de Agronomia em Viçosa, arrogante, briguento e mulherengo. O
adolescente João vive mais na casa do avô Tomé e da avó Naninha que em sua
própria e é notável a pouca importância que tem em sua vida a mãe, Gilda, e a
ausência do pai, “(...) sempre viajando para São Paulo e Rio de Janeiro, metido
em muitos negócios (...)” (p. 66), mas incapaz de manter financeiramente a
família. A composição deste romance é primorosa: embora sem encadeamento, os
blocos vão pouco a pouco explicitando a derrocada de uma família da
aristocracia rural com seus segredos e interditos, deixando imensas lacunas, já
que só “(...) Deus é que sabe por inteiro o risco do bordado” (p. 193).
(Janeiro,
2017)
Avaliação: MUITO BOM
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