A lua vem da Ásia (1956)
Campos de Carvalho (1916-1998) - BRASIL
Rio de Janeiro: José Olympio, 1956, 191 páginas
A crítica historiográfica
brasileira, em geral medíocre e conservadora, nunca prestou atenção em Campos
de Carvalho e ele sequer é nota de rodapé nos compêndios e manuais de
literatura. Autor marginal de uma obra singularíssima, este romance é o ponto
alto de sua carreira (junto com o também magnífico A chuva imóvel). Livro
tristíssimo, narra em primeira pessoa a história de um sujeito inconformado que
aos 50 anos ("Devo ter meus cinquenta anos, a julgar pela carne flácida
que sinto quando passo as mãos pelo rosto e em volta do pescoço (...) (p. 122)
está apartado da sociedade dita normal. Inicialmente, ele acredita que
encontra-se em um hotel durante a guerra para, mais tarde, pensar que na verdade
está em um campo de concentração - só à página 182 ele irá nomear o espaço como
hospício, embora ainda acredite, confusamente, estar hospedado em uma pensão
suspeita. O livro é uma espécie de diário do cotidiano do hospital, com seus
personagens alienados (um potentado hindu que coleciona pulgas, um anarquista,
o homossexual Príncipe Danilo, o embaixador da Abissínia), os acessos de
loucura, as sessões de choques elétricos, as visitas esporádicas da mãe (que
ele não reconhece como tal). E é também uma autobiografia nonsense - a personagem é capaz de percorrer as mais longínquas geografias para realizar disparatadas aventuras imaginárias. O narrador se sente como um "(...) oásis
cercado de deserto por todos os lados (...)" (p. 43) e tem plena
consciência da perda de sua subjetividade: "Há momentos em que me
sinto mais lúcido, e há outros em que pelo contrário eu sinto uma presença
estranha dentro de mim, como se devêssemos ser gêmeos e houvéssemos nascido
dois num corpo só" (p. 37). O humor negro que perpassa as páginas é
apenas um recurso auto-irônico de alguém que se sabe terrivelmente
insignificante (como todos nós, enfim) e que seu suicídio, embora inexorável,
afetará a Humanidade "(...) tanto quanto a morte de um dos milhões de
perus sacrificados à véspera do Natal" (p. 188). Resta o consolo de que
devolver a alma ao "(...) Criador ou a quem lhe faça as vezes (...)"
é como restituir "(...) um guarda-chuva que apenas lhe foi dado em
empréstimo" (p. 191). Livro imprescindível em um "(...) mundo em que
o absurdo é cada vez mais a regra geral, ou tende a sê-lo pelo menos" (p.
68), possui uma das melhores aberturas da literatura ocidental (V. abaixo).
(Janeiro, 2017)
Avaliação: MUITO BOM
Primeiro parágrafo
Entre aspas
“Se não consigo ser
otimista é porque igualmente não consigo ser menos calvo do que sou, ou menos
baixo de estatura, ou ainda menos feio do que pareço diante do espelho"
(p. 125)
"Não há realmente pior forma de terrorismo do que não aceitar
o terrorismo implantado há milênios pela máquina do Estado (...)" (p. 183)
Primeiro parágrafo
"Aos dezesseis anos matei meu professor de Lógica. Invocando
a legítima defesa - e qual defesa seria mais legítima? - logrei ser absolvido
por 5 votos contra 2, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha
estado em Paris. // Deixei crescer a barba em pensamento, comprei um par de
óculos para míope, e passava as noites espiando o céu estrelado, um cigarro
entre os dedos. Chamava-se então Adilson, mas logo mudei para Heitor, depois
Ruy Barbo, depois finalmente Astrogildo, que é como me chamo ainda hoje, quando
me chamo".
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