domingo, 8 de agosto de 2021

 Moby Dick (1851)

Herman Melville (1819-1891) - ESTADOS UNIDOS

Tradução: Irene Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza     

São Paulo: CosacNaify, 2008, 656 páginas




Este é um romance que emula o conceito de épico, em toda sua plenitude, além de provar, também em sua plenitude, que na Literatura, na verdadeira Literatura, o que importa não é a história que vai contada, o enredo, mas sim como se conta esta história, a forma. No caso, desde o início sabemos qual será o desfecho deste romance. Não só porque trata-se de uma história que já passou a fazer parte da memória coletiva - tantas adaptações para outras linguagens ganhou, desde o cinema ao desenho animado -, como também porque o narrador, Ishmael, desde as primeiras linhas antecipa que o que vamos seguir é a consumação de uma tragédia, a tragédia do capitão Ahab e da tripulação do navio baleeiro Pequod. Em cada linha do romance há sinais e avisos de que as coisas não correrão bem - são os inúmeros "presságios" que pontuam a narrativa,  desde o nome da estalagem na qual Ishmael se instala em Nantucket, Coffin (Caixão), até a profecia de Fedallah, o Parse, que determina a morte de Ahab a partir de um sonho, em que o capitão avistaria dois carros fúnebres em pleno mar, um jamais concebido por mãos humanas e outro com madeira vindo da América.  No início, disse que se trata de um épico - e aqui, podemos pensar que o Autor fez assentar sua concepção na narrativa grega clássica. O romance tenta ser uma espécie de "enciclopédia prática" da caça à baleia - boa parte do livro consiste em interpolações didáticas sobre os vários aspectos biológicos da baleia (em particular de uma espécie específica, o cachalote), de suas representações no tempo, de sua importância econômica no fornecimento de óleo, carne e espermacete; e sobre o os navios que as perseguem e sobre o tipo de homens que os tripulam. Isso porque, como "a baleia não tem nenhum escritor famoso e a pesca da baleias nenhum cronista famoso" (p. 128), o narrador se incumbe dessa tarefa, fixando no livro, portanto em palavras, a memória desse embate que ocorre tão longe dos olhos humanos para que não sejam esquecidas e, mais que isso, para que sejam enaltecidas pelos tempos afora - como Homero fez com a Ilíada e com a Odisseia. É interessante observar que o narrador, em primeira pessoa, algumas vezes percebe que não dá conta de relatar a história, pela multiplicidade de focos, e lança mão então do expediente das Musas (há capítulos inteiros de invocação poética) ou ainda dos coros (em que lança mão de expedientes teatrais). Isso tudo para conseguir atualizar a memória e torná-la conhecimento. A tragédia que persegue o capitão Ahab, que acaba levando à morte todos os seus companheiros, menos Ishmael, é a tragédia de quem se coloca contra forças muito superiores à força humana - Deus?, O Mal? -, alguém que é condenado por querer superar as forças da Natureza (a Baleia Branca, Moby Dick), porque a Natureza, criação de Deus (dos deuses?) sempre estará para além da compreensão e do jugo humano. Curioso que o narrador antecipe, para rechaçar, uma possível leitura metafórica do livro: "Tão ignorante é a maioria dos homens de terra firme no que diz respeito a algumas das mais simples e palpáveis maravilhas do mundo que, sem a menção de alguns fatos simples, históricos ou não, sobre a pescaria, poderiam desprezar Moby Dick como uma fábula monstruosa, ou ainda pior e mais detestável, como hedionda e insuportável alegoria" (p. 228)...  



 Avaliação: MUITO BOM

(Agosto, 2021)



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