terça-feira, 2 de março de 2021

Gargalhada no escuro (1933)

Vladimir Nabokov (1899-1977) -  RÚSSIA/EUA  

Tradutor: Oscar Mendes  

Rio de Janeiro: Labor, 1976, 214 páginas




Este romance é um exemplo radical de que na literatura não interessa o "que", mas o "como". No primeiro parágrafo, o Autor resume o "que" da história, ou seja, sua trama: "Era uma vez um homem chamado Albinus que vivia em Berlim, na Alemanha. Era rico, respeitável, feliz; um dia abandonou a mulher por causa de uma amante jovem; amava; não era amado; e sua vida acabou em desastre" (p. 5). Ou seja, o leitor já sabe, de antemão, tudo que precisa saber - um prato cheio para aqueles que acreditam que a literatura pode ser resumida numa sinopse... No entanto... No entanto, é o "como" o Autor conduz a narrativa, ao longo das próximas duzentas páginas que interessa... A parte do homem "respeitável e feliz" ocupa dez páginas do livro - o restante é empregado à parte da "amante jovem; amava; não era amado; e sua vida acabou em desastre". Albinus, um sujeito rico e desinteressante, moram num enorme apartamento com sua mulher, Elisabeth, e sua filha, Irma, num bairro burguês de Berlim. Nada lhes faltam. Ele ocupa o tempo ocioso de quem vive de renda inventando projetos mirabolantes e dedicando-se de forma vaga à Arte. Ele ama a mulher a filha, mas com aquele amor distante e frio - e tem uma ótima relação com o cunhado. Mas, ele acha que algo lhe falta. Uma aventura amorosa, por exemplo, algo que nunca lhe havia ocorrido antes. E, de tanto procurar, ele se depara com Margot Peters, que, embora sendo uma adolescente de 16 anos, conhece mais do mundo que Albinus. Ela percebe nele uma forma de subir na vida sem esforço. Então, fingindo-se casta e pura, deixa-se seduzir, e partir do momento em que tem Albinus na mão, passa a criar inúmeras armadilhas para que sua família descubra seu caso e ele tenha que romper o casamento. Quando consegue, cria outras inúmeras armadilhas até conseguir morar no antigo apartamento de Albinus. E, assim, pouco a pouco, Margot vai conquistando tudo o que deseja, comportando-se ora como uma menina mimada, ora como uma adulta maquiavélica. Neste  meio tempo, Irma morre, vítima de pneumonia, e Albinus sequer vai ao enterro... Entra em cena, então, um antigo amante, Alex Rex, conhecido de Albinus de outras situações, e, juntos, eles passam a explorar Albinus, estabelecendo um triângulo amoroso, sem que uma das pontas, Albinus, ingênuo, crédulo e profundamente apaixonado por Margot, perceba. Até que, numa viagem, Albinus é alertado para o fato de ele estar sendo traído, mas, mesmo bastant abalado, aceita a palavra de Margot, que alega que Alex seria homossexual... Enfim, Albinus e Margot sofrem um acidente automobilístico, no qual ela sai ilesa, mas ele fica cego, e, em busca de solução, vão morar na Suíça, para onde Margot carrega Rex, sem que Albinus saiba. Eles vivem assim, Rex e Margot como marido e mulher, torturando e humilhando Albinus, sem que ele compreenda o que está se passando à sua volta. Como os amantes estão esgotando a conta bancário de Albinus, o cunhando resolve investigar o que está acontecendo e flagra Rex vivendo no chalé de Albinus com Margot. Albinus volta para casa de Elisabeth, e só pensa em vingança. Até aqui o livro é primoroso. O desfecho, entretanto, acho-o melodramático e inverossímil. Um dia, Albinus descobre que Margot está no antigo apartamento recolhendo objetos - na verdade, saqueando a casa - e, mesmo cego, enfrenta-a com o objetivo de matá-la. Ele, claro, não consegue acertar o tiro e é, por sua vez, alvejado por ela, e morre. Impressionante história de uma queda moral irreversível...


Avaliação: MUITO BOM

(Março, 2021)

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