domingo, 18 de outubro de 2020

   Contos reunidos  

Felisberto Hernández (1902-1964) - URUGUAI 

Tradução: Jorge Fallorca  

Lisboa: Oficina do Livro, 2011, 302 páginas



Certa vez, fui convidado para almoçar na casa de uma pessoa, em Berlim. Para minha surpresa, o prato servido foi... feijoada! Acompanhada de caipirinha! Claro, tratava-se de uma gentileza imensa, uma forma extremamente generosa de ser agradável. Acontece que, embora a feijoada contasse com os ingredientes necessários e típicos e a caipirinha contivesse limão e cachaça, nada ali funcionava. Mesmo o feijão tendo sido importado do Brasil, as partes do porco, alemão, eram cortadas e salgadas à moda local. E se para a caipirinha a cachaça obviamente fosse brasileira, não o eram o limão e muito menos o açúcar, produzido a partir da beterraba. Para piorar, lá fora fazia frio e chovia... Essa é a sensação que me provocou a leitura dos nove contos reunidos neste livro: a de que está tudo lá, mas as partes juntas não funcionam... Não consegui alcançar o entusiasmo com o qual o Autor é  incensado. Os relatos são um pouco aquilo que disse no início: eu reconheço e gosto dos ingredientes, mas eles, juntos, não me fascinam, em definitivo. O ponto alto das narrativas, e isso sim é um mérito inegável, e invejável, é a capacidade de o Autor construir imagens poéticas vertiginosas, das quais dou apenas quatro exemplos, mas o livro está repleto delas: "Como estávamos no Inverno, anoitecia rapidamente. Mas as janelas não a tinham visto entrar: tinham ficado distraídas a contemplar a claridade do céu até ao último momento" (p. 91); "Pouco tempo depois comecei a diminuir as corridas pelo teatro e a adoecer de silêncio. Afundava-me em mim mesmo como num pântano" (p. 210); "Eu olhei para a cadeira e não sei porquê pensei que a doença do meu amigo estava sentada nela" (p. 228); "Eu sabia isolar as horas de felicidade e encerrar-me nelas; primeiro, roubava com os olhos qualquer coisa distraída da rua ou do interior das casas e depois levava-as à minha solidão. Gozava tanto a revê-las que se alguém soubesse ter-me-ia odiado" (p. 283).


AVALIAÇÃO: BOM

(Outubro, 2020)

 


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