quarta-feira, 15 de julho de 2020

Metal do diabo (1946)
Augusto Céspedes (1903-1997) BOLÍVIA        
Tradução: Ana Arruda               
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967, 271 páginas





Este livro é um ótimo exemplo de como boas intenções quase nunca redundam em boa literatura. O Autor se propõe a escrever um romance baseado na biografia do miliardário  boliviano Simón Patiño, cognominado "O Rei do Estanho", personalidade incontornável da trágica história político-econômica latino-americana. Na ficção, o empresário torna-se Zenon Omonte e, tirando esse detalhe, a narrativa segue de perto a trajetória pessoal daquele que foi em sua época um dos homens mais ricos (e mais odiados) do planeta. O narrador evoca a infância miserável de Omonte na região de Cochabamba; as primeiras tentativas frustradas de exploração das montanhas de Oruro (ele estava em busca de prata); a descoberta de um veio valiosíssimo de estanho, no momento mesmo em que esse minério ganha importância no mundo, principalmente devido aos preparativos para a Primeira Guerra Mundial; o poder que pouco a pouco o arrebata; a mudança para a Europa; as negociatas em que se envolve; a brutalidade com que atua para aumentar o ganho em suas minas; a total falta de empatia com os sofrimentos dos mineiros; a ridícula vida de luxo entre aristocratas europeus, que tenta imitar; a avareza para com os empregados, ao mesmo tempo em que age com imensa prodigalidade para obter coisas fúteis e supérfluas; a manipulação dos políticos bolivianos, em função de seus interesses financeiros; a aliança com o capitalismo internacional preocupado em auferir cada vez mais lucros. Ao mesmo tempo, o Autor descreve a vida miserável e sem perspectivas dos índios submetidos à ganância de Omonte e à crueldade dos métodos usados por seus capatazes. A narrativa, no entanto, é muitas vezes atropelada pela tentativa do Autor de passar uma mensagem de indignação e protesto, e para isso recorre a notas de rodapé, que ilustram, com fatos reais, o que vai narrado (na maioria das vezes, totalmente descontextualizados), e a discussões infindáveis e incompreensíveis, onde são usados termos técnicos (da mineração) ou jargão do mundo político-financeiro. Ao final, o livro fica a meio caminho entre a ficção e o ensaio jornalístico, não sendo nem um nem outro... O Autor perdeu, assim, a oportunidade de construir um excelente perfil de um personagem-símbolo da inacreditável tragédia da America Latina - porque, quando deixa de lado o discurso panfletário, o livro alcança altitudes literárias.



Observação:

1) No afã de julgar tudo e todos, o Autor não se intimida nem mesmo de condenar colegas, sem mostrar provas - o que parece desonesto -, como faz numa nota de rodapé à pág. 270, em que escreve: "A edição da mais infamante história da Bolívia, escrita por Alcides Arguedas, autor de Povo enfermo, foi subvencionada por Simón I. Patiño". 
Alcides Arguedas (1879-1946) é autor do romance Raça de Bronze (1919), escolhido para compor a Colección Archivos, da Unesco, na qual consta como volume 11.


2) Entre os comensais de Zenon Omonte, na mansão alugada na Champs Elisèe, aparece "um potentado brasileiro, em cujos dedos de orangotango os grãos de café se tinham convertido em diamantes" (p. 112-113)


 Avaliação: BOM 



(Julho, 2020)

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