quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Época de migração para Norte (1966) 
Tayeb Salih (1929-2009) - SUDÃO  
Tradução: Raquel Carapinha   
Amadora: Cavalo de Ferro, 2019, 159 páginas





Este é um romance sobre os impactos da colonização. Após sete anos na Inglaterra, estudando "a vida de um poeta inglês pouco conhecido" (p. 61), o jovem protagonista volta ao Sudão. Em sua aldeia natal, um lugarejo perdido às margens do rio Nilo, ele reencontra parentes e amigos, e se depara com um novo morador, o enigmático Mustafá Said, que, vindo da capital, Cartum, cinco anos antes, comprara "um campo para cultivo, construiu uma casa e casou com a filha de Mahomoud" (p. 14), Husna Bint Mahmoud. Mais tarde, confessará  que a escolha daquela aldeia deu-se por absoluto acaso: "Subi a bordo de um barco, desconhecendo a direção que tomava e, quando desembarcamos nesta terra, o lugar agradou-me" (p. 21). O protagonista acaba se aproximando de Mustafá e, pouco a pouco, vai desvendando a singularíssima história deste homem brilhante - "estranha mescla de força e de fraqueza" (p. 18) -, que, ao tentar estender uma ponte entre duas culturas totalmente diferentes, perde-se ele mesmo no vazio de sua existência, uma pessoa  que, supunha-se, viria a se tornar "alguém à medida dos comissários e dos inspetores e, no entanto, não encontrou sequer um túmulo onde o seu corpo repousasse, em toda a extensão deste país" (p. 58). Filho único de um vendedor de camelos, que ao morrer deixou-o numa situação confortável, Mustafá Said vivia em Cartum, completamente livre: "saía e entrava, brincava fora de casa, vagueava pelas ruas e não havia ninguém que me desse ordens ou impusesse interdições" (p. 29). No entanto, ele se sentia diferente: "Nada me perturbava. Não chorava, quando me batiam; não sentia alegria. quando um professor me elogiava, na sala de aula; não sofria com o que causava sofrimento aos outros" (p. 30). Logo, entendeu que padecia da "doença da errância" (p. 70). Inteligente, agarrou-se aos estudos: após cinco anos em Cartum, é encaminhado para o Cairo, no Egito, onde chega com 12 anos e onde conhece talvez as duas únicas pessoas que tenha amado verdadeiramente, Mr. e Mrs. Robinson. Aos 15 anos, "uma pessoa destituída de alegria" (p. 34), segue para Londres, onde cursará Economia, tornando-se professor na universidade, com apenas 24 anos. Lá, para além de engajar-se na política - torna-se presidente da  Associação da Luta pela Libertação de África e escreve livros em que denuncia "o sofrimento em que viviam os filhos [do Sudão], sob a jurisdição dos ingleses" (p. 141), envolve-se com mulheres, de uma forma absolutamente destrutiva. Usa de seus atributos intelectuais e físicos para atrai-las e massacrá-las - "Pelo simples fato de ter nascido junto a linha do Equador, era considerado um servo por uns, e tomado por um deus, por outros" (p. 105). Três de suas mulheres se matam (Ann Hammond, Sheila Greenwood e Isabella Seymour) e uma, Jean Morris, com quem viria a se casar - primeiro sudanês a casar-se com uma mulher européia (p. 59) -, ele assassina, após um relacionamento conturbadíssimo. "Tudo o que fiz, depois de a ter matado, foi um pedido de desculpas, não por a ter matado, mas pela farsa que era a minha vida" (p. 37), confessa. Cumpre sete anos de prisão, após o que perambula "de Paris a Copenhaga, de Deli a Banguecoque" até ir parar na pequena aldeia na curva do Nilo, onde desaparece durante uma cheia - afogamento provocado por acidente ou suicídio? O protagonista percorre, por espelhamento, um caminho muito parecido. Após voltar para o Sudão, passa a ensinar literatura pré-islâmica numa escola secundária até ser promovido a inspetor do ensino primário, lotado no ministério da Educação, em Cartum. Depois do desaparecimento de Said, sua viúva, pressionada a se casar com um comerciante mais de vinte anos mais velho que ela, acaba matando-o e se matando em seguida. Abalado pela tragédia e dividido entre "muito foi o que aprendi e muito foi o que perdi" (p. 13), o protagonista quase toma a mesma decisão de Mustatá Said. Entra no rio Nilo para morrer, mas no final decide pedir socorro. pois no fundo "sentia que não era uma pluma exposta ao curso dos ventos, mas que, tal como [uma] palmeira, eu tinha uma origem, raízes e um fim" (p. 14). 


Avaliação: MUITO BOM

(Novembro, 2019)

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