quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Por dois mil anos (1934)
Mihail Sebastian (1907-1945) - ROMÊNIA
Tradução: Eugenia Flavian
Barueri: Amarilys, 2017, 350 páginas



Um romance premonitório. Um jovem judeu observa, por meio de anotações em um diário, a lenta mas tenaz evolução do anti-semitismo na Romênia dos anos 1920 e 1930, que iria redundar, na década seguinte, na "solução final" nazista, o Holocausto. Dividido em cinco partes, que cobrem cinco períodos distintos, o protagonista, cujo bisavô já "falava e escrevia romeno" (p. 81), não acredita, inicialmente, que as manifestações agressivas de sua época de estudante poderiam se transformar no ódio verificado no começo da 1930, quando finda o relato. A primeira e segunda partes - os chamados "caderno azul" e "caderno verde" - cobrem os anos de 1922 e 1923, período de ebulição do anti-semitismo, que o protagonista vive na pele como aspirante à universidade em Bucareste. É nesse altura que toma contato com o professor Ghitã Blindaru, defensor de valores protofascistas, que exercerá sobre ele um enorme fascínio, a ponto de convencê-lo a mudar o interesse do curso de direito pelo de arquitetura. É também um momento de intenso debate no meio judaico, entre assimilacionistas, sionistas e marxistas. A terceira parte decorre cinco anos depois, em 1928, em Uioara, no distrito de Prahova, a uma hora da capital, onde o protagonista trabalha, como arquiteto, na construção da refinaria Estrela Romena, de propriedade do capitalista norte-americano Ralph Rice. É um instante de aparente calmaria, no qual o narrador pode suspirar por um amor platônico pela inglesa Marjorie Dunton, pode discutir política com seu amigo Marin Dontru e com seu superior imediato, Mircea Vieru, e também pode acompanhar a disputa entre Vieru e Blindaru, representantes do "novo" (o capital estrangeiro, o progresso e a indústria) e do "velho" (o nacionalismo, a terra e a tradição), respectivamente. A quarta parte acompanha a espera do protagonista pela instalação de um escritório da Expansão Rice em Paris, em 1931, quando na Romênia começa a perseguição aos comunistas. A quinta e última parte se passa em Bucareste, em 1933. O narrador sente, claramente, o acirramento do anti-semitismo, que transparece até mesmo em pessoas insuspeitas, como Dontru e Vieru. Enquanto isso, o protagonista constrói a casa de Blindaru, em Snagov, uma vila próxima a Bucareste. Esta casa, aliás, serve de metáfora para o livro todo: o arquiteto judeu idealiza e planeja um espaço no qual se reconhece, mas onde não tem lugar. A antecipação do Autor sobre a tragédia iminente é impressionante: "(...) o anti-semitismo de 1933 é econômico e de 1333 era religioso. Mas isso acontecia porque a essência daquele século era a religião, ao passo que a de hoje é a economia. Se amanhã a estrutura social vier a se centrar não na religião, nem na política e nem na economia, mas digamos, na apicultura, o judeu será detestado do ponto de vista dos criadores de abelhas" (p. 330). A lição que fica é um fabuloso libelo contra a intolerância de todos os tempos: "Ano após ano esse grito [de morte] passa pelos ouvidos das pessoas trabalhadoras, indiferentes, apressadas, preocupadas com outras coisas, ano após ano esse grito flutua (...) e ninguém o escuta. Um  belo dia (...) eis que brota dos esconderijos, debaixo de todas as pedras. (...) É preciso para isso um tempo de cansaço, de nervosismo, um tempo de espera extenuada, um tempo de desesperança. Aí então, ouvem-se as vozes que não se ouviam" (p. 315). Para consolidar sua posição na sociedade, hoje como ontem, os fascistas contam sempre com a conivência de "(...) uma geração de pessoas fartas de sempre serem inteligentes" (p. 341).


(Agosto, 2017)



Avaliação: BOM


Entre aspas:

"(...) somos incapazes de viver um momento de vida até o fim. (...) permanecemos continuamente ao lado do que está acontecendo, um pouco acima, um pouco abaixo das coisas, mas nunca no meio delas". (pág. 46)

"Um livro ou nos derruba ou nos ergue". (pág. 124)

"A negligência é o humor da elegância". (pág. 165)

(...) não é possível estar desesperado e dar conferências sobre o desespero (...), estar angustiado e discursar sobre a angústia. (...) essas coisas, se forem verdadeiras, são dramas e os dramas se vivem, não se discutem". (pág, 213)

"A segurança não é um bom ambiente para o pensamento" (pág. 263)














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