domingo, 13 de agosto de 2017

O quarto enorme (1924)
e. e. cummings (1894-1962) - EUA  
Porto: Livros do Brasil, 2017, 331 páginas
Tradução: José Lima 



Trata-se de uma espécie de autobiografia ficcional, se é que isso é possível. O Autor descreve o período em que permaneceu preso, por suspeita de traição, entre fins de agosto e meados de dezembro de 1917, em plena Primeira Guerra Mundial. Ele havia se engajado como motorista voluntário da Cruz Vermelha americana e, após três meses na frente de guerra, na França, é encarcerado, porque seu amigo inseparável, B., em uma de suas cartas, interceptada pela censura do governo francês, fez comentários desairosos sobre os rumos do conflito. Ambos são então levados para o centro de triagem de La Ferté-Macé, na Normandia, e lá, em um cômodo de "forma oblonga,de uns vinte e cinco metros por doze", com um "teto abobadado a oito ou nove metros do chão" (p. 85) - o "quarto enorme" - , onde se amontoavam entre "sessenta e setenta paillasses" (p. 216), convivem com impressionantes tipos das mais diversas nacionalidades. Na prisão, em condições subumanas - um  lugar que "é o mesmo que (...) estar morto" (p. 90) - estão homens e mulheres, em geral prostitutas, separados por um muro, além de algumas poucas outras, prisioneiras voluntárias junto com seus filhos para permanecerem próximas a seus maridos. Deitados em colchões apoiados diretamente no chão - o narrador e seu amigo, mais afortunados, dormem em camas de campanha - o Autor descreve, com profunda ironia, a opressão do pequeno poder, assentado na tortura, na discriminação, na arbitrariedade. Ótimo caricaturista, traça o perfil dos colegas, sem nomes próprios, designados apenas por suas características singulares: o falso Conde Bragard, Apolion, O Andarilho, Zulu, Surplice, Jean Le Nègre, etc. O Autor, americano, fluente em francês, filho de pessoas influentes, ex-estudante de Harvard,  encara esse período "entusiasmado e orgulhoso", por ser tratado como "um fora da lei" (p. 28). Os horrores da guerra aparecem apenas ocasionalmente, como na seguinte passagem: "Tinha (...) assistido à construção levada a cabo pelos aliados de uma ponte improvisada sobre o rio Yser,com os cadáveres tanto de fiéis como de inimigos atirados para ali à toa para formarem a base necessária para o madeiramento" (p. 195). A se destacar a forma da narrativa: o Autor inventa uma gramática própria, com o uso de uma sintaxe e uma pontuação próprias, que tenta muitas vezes, ao subverter a forma, denunciar o conteúdo, encharcando sua prosa da mais alta poesia (gênero, aliás, em que é mais conhecido).


(Agosto, 2017)


Avaliação:  BOM 




Entre aspas:

"(...) [há] certo tipo de seres humanos,que quanto mais cruéis são os sofrimentos que lhes são infligidos mais cruéis se tornam para com os que têm a infelicidade de serem mais fracos ou mais miseráveis do que eles" .(pág. 266)


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