segunda-feira, 17 de julho de 2017

O vinho da solidão (1935)
Irène Némirovsky (1903-1942) – FRANÇA
Lisboa: Relógio D'Água, 2013, 214 páginas
Tradução:  Júlia Ferreira e José Cláudio      


Embora nascida na Ucrânia, a Autora escreveu toda a sua obra em francês. Dividido em quatro partes bem definidas do ponto de vista do cenário, este romance acompanha a solitária vida de Helène Karol, entre os oito e dezoito anos de idade, em uma época conturbada da história da Humanidade. A primeira parte do livro passa-se em uma pequena cidade industrial da Ucrânia, onde o pai de Helène, Bóris Karol, um judeu de origem pobre, administra uma fábrica, enquanto a mãe, Bella Safronov, judia de família rica, mas empobrecida, mimada e egocêntrica, sonha com uma vida menos aborrecida. Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, em uma Rússia tomada por revoltas populares, Helène é criada pela babá francesa, Mademoiselle Rose, longe do carinho dos pais - a mãe sempre lembra que não nascera para ser "uma burguesinha pacata, satisfeita, feliz entre o marido e a filha" (p. 12), enquanto o pai vive mergulhado no trabalho. Bóris acaba demitido, aceita empregar-se numa mina de ouro na Sibéria e passa a especular no mercado financeiro, tornando-se riquíssimo. A segunda parte passa-se em Petersburgo, nos primeiros anos da Grande Guerra. Bóris, cada vez mais ausente, aproveita-se do conflito para fazer "malabarismos com papéis" (p. 79) - ganha fortunas especulando na Bolsa de Valores e comprando móveis e jóias dos aristocratas falidos. Bella toma Max como amante, um rapaz quinze anos mais novo que ela, filho de uma amiga dos tempos da Ucrânia. Helène descobre a traição da mãe e revolta-se contra as negociatas do pai: "tudo nessa casa faz lembrar um covil de ladrões de segunda ordem" (p. 78). Mademoiselle Rose morre, deixando Helène ainda mais amarga e solitária. Na terceira parte, estoura a Revolução Bolchevique. Helène e a mãe e Max se juntam a vários outros membros da burguesia russa e fogem para a Finlândia, carregando o que podem em jóias e ouro. Lá aguardam o desfecho dos acontecimentos. A quarta parte se passa em Paris, para onde a família se muda em 1919, após a assinatura do tratado de paz. Bella, sempre acompanhada de Max, e Helène vivem um cotidiano luxuoso, frequentando os melhores lugares de Paris e da Côte d'Azur, com o dinheiro ganho em transações escusas por Bóris. Envelhecida, Bella acaba abandonada pelo amante; Bóris, que se tornara alcoólatra, entra em falência e pouco depois morre em decorrência da bebida. No dia do seu enterro, Helène resolve largar a casa - o que significa deixar a mãe que detesta - para recomeçar a vida do nada. Apesar do ódio e o do ressentimento - "não se perdoa uma infância destroçada" (p. 164) -, a perspectiva para Helène abre-se em "um céu azul que apareceu entre as colunas do Arc de Triomphe" (p. 214) iluminando-lhe o caminho. O livro descreve com realismo uma burguesia gananciosa, hipócrita e inescrupulosa - "a nossa sorte é haver guerra", afirma a certa altura um personagem (p. 79) -. traçando um excelente retrato das contradições pessoais e coletivas do começo do século XX, que redundariam na catástrofe da Segunda Gurra Mundial.
  

(Julho, 2017)



Avaliação:
  BOM 


Entre aspas:


"Todas os lares são parecidos. Nas famílias só há avidez, mentiras e incompreensão mútua". (pág. 93)


Observação:

 
O Brasil aparece citado em dois momentos no livro.
1) À página 195, quando Helène relembra um amante da mãe: "O seu servilismo e a sua loquacidade divertiam Karol, e Helène reconhecia as velhas palavras que lhe tinham embalado a infância e pareciam acompanhar toda a sua vida como o tema incompreensível e fugidio de uma melodia: minas de petróleo, minas de ouro no México, no Brasil, no Peru, minas de platina e de esmeraldas" etc
2) À página 206, quando Helêne lê para o pai a lista de ações de empresas que ele possuía. A primeira citada é: "Dezassete mil ações da Brazilian Match Corporation"...



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