terça-feira, 30 de maio de 2017

O viajante e o mundo da lua (1937) 
Antal Szerb (1901-1945) - HUNGRIA  
Rio de Janeiro: Ediouro, 2007, 293 páginas
Tradução: Paulo Schiller  





Estranho romance, esse. Narrado de forma realista, no entanto o clima que evoca é insólito. Neste sentido, configura-se bastante original, já que não se aproxima nem do fantástico, nem do absurdo - como se tudo estivesse envolvido em uma névoa de mistério e de acasos possíveis... Mihály e Erzsi estão passando a lua-de-mel na Itália. Erzsi separou-se do marido, Zoltán Pataki, um industrial bem-sucedido, para se casar com Mihály, filho de uma família burguesa de Budapeste. Mihály sente-se deslocado no mundo, perseguido por "instituições e o conflito alarmante dos anos passados" (p. 91). Após visitar Veneza, o casal está sentado em um café em Ravenna, quando surge, abruptamente, cavalgando uma motocicleta barulhenta, János Szepetneki, um amigo húngaro. Ele aparece, diz que outro velho amigo comum, Ervin, encontra-se retirado em um mosteiro na Úmbria, e some. Essa visita inesperada mudará o curso da viagem de núpcias. Mihály rememora para Erzsi um momento de seu passado, aquele em que, adolescente, na casa dos Ulpius, Tamás e Éva, junto com János e Ervin, encenavam uma vida rebelde completamente fora do tempo. Durante o deslocamento de Florença para Roma, Mihály desce numa estação em Cortona para tomar um café e entra no trem errado, indo parar em Perugia sozinho. Daí para a frente, vai aos poucos aceitando a ideia de romper com os padrões burgueses, casamento, dinheiro, valores. Descobre que Ervin tornou-se uma espécie de santo, o Padre Severinus, em Gubbio, e, por influência dele, decide aguardar em Roma que algo importante aconteça. Erszi, neste ínterim, encaminha-se para Paris, onde reencontra János, de quem se torna amante. Em Roma, Mihály entrevê Éva, quase como uma personagem incorpórea - ela surge e desaparece, sem que ele possa falar com ela. Mihály, pouco a pouco, transforma-se em um quase mendigo. Finalmente, consegue contato com Éva, que lhe conta como Tamás se matou, e resolve também se matar, sendo salvo na última hora por uma festa de batizado... Erzsi, que por um momento imaginou levar uma vida livre em Paris, retorna para Budapeste e casa-se novamente com Zoltán, enquanto Mihály é conduzido para casa pelo pai, aceitando o emprego burocrático na empresa da família, onde viverá "como os ratos entre as ruínas" (p. 293). De certa maneira, a narrativa reforça que na Europa, naquele momento, não havia lugar para rebeldes e rebeldia, o mundo se tornava mais e mais conformista e autoritário. 



(Maio, 2017)



Avaliação: BOM  



Observações:

1) A ideia mais interessante do "fantástico" no livro, infelizmente, não é nada original. O protagonista, Mihály, enfrenta, desde a infância, a sensação de que há um abismo a seu lado, o que lhe provoca pânico e uma total paralisia, física e mental. Algo de que padecia o filósofo e matemático francês, Blaise Pascal (1623-1662), que o poeta também francês, Charles Baudelaire (1821-1867), abordou no poema "O abismo" (V. Flores do Mal. Trad. Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 472-473)
2) Embora tendo como cenário a Itália e Paris, todos os personagens importantes do romance são húngaros, o que também ajuda a provocar um interessante estranhamento na narrativa.
3) Nos capítulos 2 e 3 da terceira parte ("Roma") há uma instigante exposição, pelo amigo de Mihály, Waldheim, sobre a morte na civilização ocidental, a partir da tese de que a "morte em geral foi parar entre os conceitos tabus" (p. 200).




Entre aspas:




"O amor exige uma distância, que os amantes percorrem para se encontrar. Naturalmente, a proximidade é apenas ilusória, porque o amor na realidade afasta. O amor é polaridade: os amantes são dois polos opostos do mundo". (p. 37)

"(...) todas as pessoas têm uma idade que lhes é a mais adequada". (p. 188)

"Nós recebemos da civilização um aparato espiritual pronto tão perfeito que durante a maior parte da vida esquecemos que um dia vamos morrer; aos poucos vamos excluir a morte da consciência como excluímos a existência de Deus". (p. 196)

"(...) os momentos e as situações mais marcantes da vida só [podemser evocados por expressões banais, e quem sabe não seriam esses, a despeito de tudo, os momentos mais banais". (p. 277)

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