Os comediantes (1966)
Graham Greene (1904-1991) - INGLATERRA
Graham Greene (1904-1991) - INGLATERRA
Tradução: Jaime Correia
Lisboa: Livros do Brasil, 1997, 307 páginas
Eis um grande romance político. O Autor consegue situar de forma clara o espaço e o tempo da narrativa - o Haiti sob o jugo do cruel ditador Papa Doc e sua polícia privada, os tonton macoutes, na década de 1960 - e ainda assim alcançar a universalidade. Qual o segredo? Criar personagens complexos, cujos destinos estão condicionados à forma de atuação naquele momento específico. E, no caso, a palavra "atuação" aqui carrega enorme eficácia. Não é à toa que o Autor usa o termo "comediante" para intitular o romance: todos agem como atores representando papéis nos quais não acreditam - são farsantes* tentando sobreviver num mundo que já não compreendem. Brown, um inglês que na verdade nasceu em Mônaco (ou seja, em lugar algum), tem sessenta anos e dirige um hotel em Porto Príncipe, herdado da mãe, que reviu moribunda, após muitos anos. Ele acaba de voltar de uma viagem a Nova York, onde tentou, sem sucesso, vender o empreendimento, que já não recebe mais hóspedes, por conta do terror implantado por Papa Doc. No barco acabou conhecendo Mr. e Mrs. Smith, casal norte-americano, que pretende organizar um centro vegetariano no país, e o enigmático major Jones, que se diz ex-militar que combateu os japoneses na Birmânia, na Segunda Guerra Mundial. Brown regressa para um lugar cuja energia elétrica é intermitente, a violência perene - as pessoas somem sem maiores explicações - e o cerco aos dissidentes se expande. Além disso, Brown vive uma relação belicosa com Martha, uma alemã quase trinta anos mais jovem, mulher do embaixador de um país sul-americano, de quem tem ciúmes doentios. Pouco a pouco, tudo se desmorona. Os raros opositores de Papa Doc, conhecidos de Brown, são assassinados. Seu braço-direito no hotel, Joseph, entra na clandestinidade e se junta um grupo guerrilheiro nas montanhas, liderado pelo falso militar Jones - nas primeiras escaramuças contra as tropas de Papa Doc, eles morrem. Mr. e Mrs. Smith conhecem o poder da burocracia - ou seja, da corrupção - dos órgãos governamentais e desistem de implantar o vegetarianismo no Haiti. O sentido de autodestruição afetiva de Brown - "É um escuro mundo em que vives", segundo Martha (p. 245) - afasta-o da mulher que o amava. Brown, por seu envolvimento com os opositores, foge para a República Dominicana, onde continuará a viver sua vida de comediante...
* Talvez, neste caso, o título da edição brasileira seja mais feliz (Os farsantes, tradução de Ana Maria Capovilla, Biblioteca Azul). Embora "Os comediantes" seja tradução literal e correta, o termo "comediante" no Brasil está muito ligado ao sentido de humor, e até ao de humor escrachado. Farsante alcança uma definição mais condizente com o romance.
(Fevereiro, 2018)
Curiosidades:
Lisboa: Livros do Brasil, 1997, 307 páginas
Eis um grande romance político. O Autor consegue situar de forma clara o espaço e o tempo da narrativa - o Haiti sob o jugo do cruel ditador Papa Doc e sua polícia privada, os tonton macoutes, na década de 1960 - e ainda assim alcançar a universalidade. Qual o segredo? Criar personagens complexos, cujos destinos estão condicionados à forma de atuação naquele momento específico. E, no caso, a palavra "atuação" aqui carrega enorme eficácia. Não é à toa que o Autor usa o termo "comediante" para intitular o romance: todos agem como atores representando papéis nos quais não acreditam - são farsantes* tentando sobreviver num mundo que já não compreendem. Brown, um inglês que na verdade nasceu em Mônaco (ou seja, em lugar algum), tem sessenta anos e dirige um hotel em Porto Príncipe, herdado da mãe, que reviu moribunda, após muitos anos. Ele acaba de voltar de uma viagem a Nova York, onde tentou, sem sucesso, vender o empreendimento, que já não recebe mais hóspedes, por conta do terror implantado por Papa Doc. No barco acabou conhecendo Mr. e Mrs. Smith, casal norte-americano, que pretende organizar um centro vegetariano no país, e o enigmático major Jones, que se diz ex-militar que combateu os japoneses na Birmânia, na Segunda Guerra Mundial. Brown regressa para um lugar cuja energia elétrica é intermitente, a violência perene - as pessoas somem sem maiores explicações - e o cerco aos dissidentes se expande. Além disso, Brown vive uma relação belicosa com Martha, uma alemã quase trinta anos mais jovem, mulher do embaixador de um país sul-americano, de quem tem ciúmes doentios. Pouco a pouco, tudo se desmorona. Os raros opositores de Papa Doc, conhecidos de Brown, são assassinados. Seu braço-direito no hotel, Joseph, entra na clandestinidade e se junta um grupo guerrilheiro nas montanhas, liderado pelo falso militar Jones - nas primeiras escaramuças contra as tropas de Papa Doc, eles morrem. Mr. e Mrs. Smith conhecem o poder da burocracia - ou seja, da corrupção - dos órgãos governamentais e desistem de implantar o vegetarianismo no Haiti. O sentido de autodestruição afetiva de Brown - "É um escuro mundo em que vives", segundo Martha (p. 245) - afasta-o da mulher que o amava. Brown, por seu envolvimento com os opositores, foge para a República Dominicana, onde continuará a viver sua vida de comediante...
* Talvez, neste caso, o título da edição brasileira seja mais feliz (Os farsantes, tradução de Ana Maria Capovilla, Biblioteca Azul). Embora "Os comediantes" seja tradução literal e correta, o termo "comediante" no Brasil está muito ligado ao sentido de humor, e até ao de humor escrachado. Farsante alcança uma definição mais condizente com o romance.
(Fevereiro, 2018)
Avaliação: MUITO BOM
Curiosidades:
O Brasil aparece numa visita a Duvalierville, "nossa bela cidade nova": "É a nossa réplica de Brasília", comenta o guia (p. 167). "Para além do anfiteatro havia quatro casas de asas inclinadas, como borboletas feridas. Assemelhavam-se a certas edificações de Brasília, vistas por um telescópio ao contrário", anota o narrador (p. 177). "Não fiquei muito impressionado com aquele projeto, confesso, mas sabe até mesmo Brasília..." , afirma Mr. Smith (p. 181).
E, mais tarde, numa reunião de diplomatas: "O ministro do Brasil tinha calçado as luvas amarelas de Dom Celes!" (p. 205) e, na página seguinte: "O ministro do Brasil, silhueta redonda azevichada, expressão asiática entre mandarim e bonzo, tomou a palavra etc"
Entre aspas:
E, mais tarde, numa reunião de diplomatas: "O ministro do Brasil tinha calçado as luvas amarelas de Dom Celes!" (p. 205) e, na página seguinte: "O ministro do Brasil, silhueta redonda azevichada, expressão asiática entre mandarim e bonzo, tomou a palavra etc"
Entre aspas:
"A Igreja [Católica] condena a violência, mas condena mais duramente a indiferença. A violência pode ser a expressão do amor, mas a indiferença nunca o é. Uma é a imperfeição da caridade, a outra é a perfeição do egoísmo." (pág. 303).
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