A dama do cachorrinho
e outros contos (1886-1899)
Anton Tchekhov (1860-1904) - Rússia
Tradução: Boris Schnaiderman
São Paulo: Editora 34, 1999, 386 páginas
Seleção de 36 entre as quase três centenas de contos escritos pelo Autor, aqui encontramos alguns exemplares do que de melhor ele produziu. Sua galeria de personagens infantis demonstra a profunda sensibilidade por aqueles pequenos seres que, por ainda não estarem de todo contaminados pelo universo egoísta e predador dos adultos, consegue estabelecer com o mundo à volta uma relação de amor puro e altruístico. Exemplos disso são "Casa-se a cozinheira", "Um dia no campo", "Criançada" e as obras-primas "Vanka" e "O acontecimento" - a que poderíamos acrescentar "Olhos mortos de sono" e "Volódia", trágicos destinos de adolescentes mal entrados naquele universo a que nos referíamos. Mestre da narrativa curta, o Autor consegue, em rápidas pinceladas, retratar o real - russo e finissecular, mas universal e atemporal - com uma sofisticação poucas vezes igualada. A questão moral em "Crime premeditado", o clima de opressão política presente em "Subtenente Prichibiéiev", a crítica certeira e corrosiva ao capitalismo em "Um caso clínico", a mais profunda solidão em "Angústia", e o amor infeliz que compõe as obras-primas que são "Tifo", "Ventoinha" e "A dama do cachorrinho". A ironia cruel que perpassa estas histórias - assim como em "A corista", "Bilhete premiado" e "Inimigos" - é a mesma que encontramos no brasileiro Machado de Assis, que viveu exatamente na mesma época (1836-1908), e, de uma maneira espantosa, compartilha com ele a mesma visão de mundo desencantada e às vezes até os mesmos procedimentos narrativos. Uma curiosidade: o conto "Aflição" tem como tema a luta perdida do homem contra a natureza, no caso, o frio extremo, e lembra muito "A fogueira", do livro homônimo, do norte-americano Jack London (1876-1916), publicado aqui em 31-12-2016, e "O patrão e o empregado", de Liev Tolstói (1828-1910), em Contos 3, publicado em 15-11-2017.
(Fevereiro, 2018)
Avaliação: MUITO BOM
Entre aspas:
"A frase, geralmente, por mais bela e profunda, atua unicamente sobre os indiferentes, mas nem sempre pode satisfazer àqueles que são felizes, pois o silêncio constitui, com maior frequência, a mais elevada expressão da felicidade ou do infortúnio. Os que amam compreendem-se melhor quando calados, e um discurso ardente, apaixonado, proferido sobre o túmulo de alguém, comove unicamente as pessoas estranhas ao defunto, parecendo frio e distante a sua viúva e filhos" (pág. 191-192)
"Os infelizes são egoístas, maus, injustos, cruéis e menos capazes de se entender entre si que os imbecis. A infelicidade não une, mas separa os homens e, mesmo nos ambientes em que, parece, eles deveriam ficar unidos pela paridade do infortúnio, cometem-se muito mais injustiças e crueldades que num meio de gente relativamente satisfeita" (pág. 200)
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