segunda-feira, 2 de outubro de 2017

O Primo Basílio (1878)
Eça de Queirós (1845-1900) - PORTUGAL  
São Paulo: Abril Cultural, 1971, 321 páginas



Magnífico romance sobre o moralismo, a hipocrisia, o machismo e a frivolidade da sociedade burguesa e seus falsos valores. Jorge é funcionário público, engenheiro de minas, "o gênio manso", "robusto, de hábitos viris", "dentes admiráveis" e "ombros fortes" (p. 10). Luísa, com quem está casado há três anos, é "asseada, alegre como um passarinho", "um solzinho louro e meigo" (p. 11). Tudo corre bem na casa onde moram com duas empregadas, Joana*, a cozinheira, e Juliana, a engomadeira, até que, nas vésperas de Jorge viajar a trabalho para o Alentejo, Luísa recebe a notícia da chegada de Basílio, seu primo, que, tendo deixado Lisboa pobre, enriquecera com negócios de borracha no Brasil. Jorge parte e alguns dias depois Luísa recebe a visita de Basílio, por quem, na juventude, fora apaixonada. Pouco a pouco, Basílio retoma a confiança da prima até convencê-la de que, afinal, nunca deixou de pensar nela um segundo sequer por todos os anos que estiveram separados. A romântica Luísa, por "não ter nada que fazer, a curiosidade mórbida de ter um amante, mil vaidadezinhas inflamadas, um certo desejo físico" (p. 158) acredita nas palavras do inescrupuloso Basílio, que vê nela apenas mais uma conquista, já que, para ele, "o adultério aparecia assim um dever aristocrático" (p. 92).  Ele aluga uma casa num bairro distante, o Paraíso do casal, onde passam a se encontrar toda manhã. Jorge demora-se no Alentejo, enquanto Luísa envolve-se mais e mais com o primo, para escândalo dos vizinhos e principalmente de Juliana, a engomadeira, que, ressentida por sua posição social subalterna, busca encontrar provas do amor adulterino da patroa. Ela acaba por apropriar-se de três cartas e dois bilhetes trocados entre os amantes, e passa a chantagear Luísa. Desesperada, Luísa pensa em fugir com Basílio, que, assustado com a perspectiva, deixa Lisboa às pressas - ciente de que aquela aproximação com a prima fora apenas "a afirmação gloriosa de sua beleza e da irresistibilidade da sua sedução" (p. 114). Luísa então passa a viver o inferno nas mãos de Juliana. Jorge regressa e encontra a mulher mudada, à beira de um distúrbio nervoso, achacada pela empregada. Luísa, sem saber mais como lidar com Juliana, que age como a verdadeira dona da casa, pede ajuda a Sebastião, amigo fiel de Jorge, que tentando resolver o problema, provoca, sem querer, a morte da empregada, por um aneurisma cerebral. Sebastião resgata as cartas e bilhetes, que Luísa queima. Quando tudo parece resolvido, Jorge intercepta uma carta de Basílio para Luísa, recordando "as boas manhãs" passadas no Paraíso (p. 291). Jorge enlouquece de ódio e, depois que a mulher se recupera das emoções fortes vividas naqueles meses, exibe a carta para ela. Então, Luísa, destroçada pela culpa e pelo remorso, cai em prostração e morre, esgotada. O Autor consegue pintar quadros vivos com personagens convincentes, onde nenhuma página está a mais, nenhuma palavra sobra, nenhuma ação é desnecessária.  E é curioso como são encenados, em dois momentos vitais, possíveis desfechos para o livro. Logo às páginas 33 e 34, Ernestinho, o dramaturgo, ao revelar para os amigos o enredo da peça  que está escrevendo, diz estar em dúvida a respeito da decisão que deve tomar: o protagonista descobre que a mulher o trai - ele deve matá-la ou perdoá-la? Jorge defende, como veemência, que o marido deveria matá-la. Mais tarde, sendo Jorge já sabedor do adultério de Luísa, Ernestinho conta que, afinal, resolveu o drama que escreveu com o perdão do marido - no que Jorge, dizendo-se mudado, concorda com a solução dada (p. 299). Também se sobressaem os vários personagens secundários, além de Joana, Juliana, Ernestinho, o fiel amigo Sebastião, o Conselheiro Acácio com suas tiradas redundantes, o médico frustrado e interesseiro Julião, o dramaturgo Ernestinho, a frívola carola D. Felicidade, a infeliz e promíscua Leopoldina, e outros e tantos. Um retrato que poderia ter sido composto hoje, tal a sua atualidade.




* É curioso que o Autor denomina Joana a quatro personagens diferentes: Joana é a cozinheira do casal Jorge e Luísa; tia Joana é a governanta do amigo Sebastião (p. 83); Joaninha, a Freitas, é a amiga de colégio de Luísa, que morreu tísica (p. 116-17); Joana Silveira é outra amiga de Luísa, que fora para a França (p. 228).





(Outubro, 2017)



Avaliação: OBRA-PRIMA


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