sexta-feira, 20 de outubro de 2017

A pele (1949)
Curzio Malaparte (1898-1957) - ITÁLIA  
Tradução: Alexandre O'Neil   
São Paulo: Abril, 1972, 369 páginas



Que este romance possui, do ponto de vista estritamente literário, méritos indiscutíveis, não há dúvida. Mas seus defeitos - que são muitos - competem, e ganham, das suas qualidades. O narrador, denominado Curzio Malaparte, mistura todo o tempo ficção e autobiografia, o que nos permite pensar que as ideias ali expostas são também as do Autor e não somente do narrador ficcional. E é então que nos deparamos como estragos irreparáveis: a homofobia* (v. capítulos IV, "As rosas de carne", e V, "Os filhos de Adão"); o racismo (cf. ao longo do livro com que superioridade refere-se aos brancos em detrimento de negros e árabes); a autocomplacência. A história se passa entre 1943 e 1944, época em que os aliados desembarcam na Itália para combater os nazistas. Curzio Malaparte, capitão de ligação entre os italianos antifascistas e o exército aliado, acompanha de perto o desenrolar da guerra. Cínico, é irritante seu pernosticismo, seja ao querer ostentar suas relações com a aristocracia italiana - demonstra verdadeiro fascínio por títulos, ascendências, objetos da nobreza -, seja ao querer exibir seus conhecimentos enciclopédicos de arte e literatura**. O narrador relata a história da II Guerra Mundial como se os italianos fossem vítimas e não figuras de proa do abominável nazifascismo que gerou o conflito. Chega a ser patética a sua admiração pelos norte-americanos, cordiais, generosos, sensíveis - os oficiais branco, claro. Agora, há cenas impressionantes - a venda de crianças para prostituição infantil (p. 134 e seguintes); a crucificação de judeus na Ucrânia ocupada pelos alemães (p. 175 e seguintes); a morte do cachorro Febo numa clínica de experiências veterinárias (p. 188 e seguintes); o homem que morre esmagado por um tanque de guerra (p. 323 e seguintes). E há cenas de extremo mau gosto como a sereia (um peixe antropomórfico, parecido com uma menina) servida durante uma refeição (p. 240 e seguintes); o relato (ainda que falso) de uma mão deglutida num almoço (p. 306 e seguintes); e o julgamento do protagonista por fetos monstruosos (p. 357 e seguintes). Denúncia radical da estupidez humana - mas por alguém que se coloca acima da estupidez humana... - , que pode ser resumida nesta frase: "a nossa verdadeira pátria é a nossa pele" (p.  325). 



* "(...) eu perguntava a mim mesmo, como estupor, como fora possível que, da minha geração, forte, corajosa, viril, de homens formados na guerra, na luta civil, na oposição individual à tirania dos ditadores e das massas, como fora possível que, de uma geração máscula, (...) tivesse podido nascer uma geração tão corrupta, cínica, efeminada, tão tranquila e docemente desesperada (...)". (pág. 113-114)  

** Mrs. Flat estava sentada na sala de um antigo, nobre palácio napolitano, de arquitetura solene e faustosa, pertencente a uma das mais ilustres famílias da nobreza de Nápoles e da Europa, pois os Duques de Toledo não ficavam atrás nem dos Colonna, nem dos Orsini, nem dos Polignac, nem dos Westminster, a não ser, em certas ocasiões, dos Duques d'Alba. E naquela mesa suntuosamente posta, no brilho dos cristais de Murano e das porcelanas de Capodimonte, sob o teto pintado por Luca Giordano, entre aquelas paredes cobertas pelas mais preciosas tapeçarias arábico-normandas da Sicília, destoava deliciosamente. Mrs. Flat era a imagem perfeita do que teria sido uma americana no século XV, educada em Florença, na corte de Lourenço, o Magnífico, ou em Ferrara, na corte de Estensi, ou em Urbino, na corte dos Della Rovere, e que tivesse como livre de chevet não o Blue Book, mas o Cortegiano de Mester Baldassare Castiglione".  (p. 230)


(Outubro, 2017)



Avaliação: NÃO GOSTEI 


Entre aspas:

"(...) Cristo exige dos homens a piedade, não a solidariedade. A solidariedade não é um sentimento cristão". (pág. 73)

"Finalmente recuperei a liberdade (...) Para mim era como se saísse de um quarto sem janelas para entrar noutro sem paredes". (p. 186)

"Os homens realmente decentes são os que não fazem profissão nem de heróis nem de covardes". (p. 213)

"(...) Estado totalitário (...) É um Estado em que tudo o que não é proibido é obrigatório". (p. 226)



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