quarta-feira, 8 de março de 2017

O velho negro e a medalha (1956)
Ferdinand Oyono (1929-2010) - CAMARÕES 
Tradução: Wilma Ronald de Carvalho   
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, s/d, 207 páginas



Escrito em francês, trata-se de um libelo anticolonialista, que descreve, com humor trágico, a total incompreensão e desprezo dos europeus pela cultura africana. Laurent Meka, descendente do grande chefe da etnia Mvema, é um fantasma - "(...) não estava nem com os seus, nem com os outros [os franceses]" (p. 108), já que se convertera ao catolicismo, abandonando as crenças dos antepassados. Meka, cujo pai havia sido rico e poderoso, doara suas propriedades para a Igreja, e agora vivia em uma choupana miserável, subsistindo da colheita de cacau. Por "(...) facilitar a obra da França neste país" (p. 28) - além de abrir mão das terras, dois de seus filhos combateram na segunda guerra, onde "(...) tiveram uma morte gloriosa" (p. 28) - ele é destacado para ganhar uma medalha no dia 14 de julho, data nacional da Metrópole. A notícia causa comoção na região, e, orgulhoso, Meka prepara-se, com esmero, para receber a condecoração das mãos do Alto Comissário, que viria de Timba até Doum especialmente para isso. No dia festivo, incomodado com os sapatos apertados e com a roupa desconfortável e de pé sob um sol inclemente, o Chefe dos brancos espeta-lhe a medalha no peito, dirige-lhe algumas palavras elogiosas, que o intérprete resume impaciente, e convida-o a participar do vinho de honra no galpão de zinco que denominam Centro Africano. Terminada a cerimônia, entretanto, Meka perde a importância, é esnobado pelos brancos - incluindo o padre Vandermeyer - e, após abusar do uísque, adormece e acaba esquecido no local. Ao acordar de noite, assustado, debaixo de uma tromba d'água, vaga sem rumo até penetrar, sem querer, no bairro europeu, vetado aos nativos, onde é preso. Depois de pernoitar na cadeia, é reconhecido como o velho negro da medalha e solto. No entanto, ofendido em sua honra, Meka se insurge contra a política dos brancos - "Quem poderia imaginar que os chefes de ontem seriam os escravos de hoje?" (p. 164) - e contra a religião - "Todas as suas superstições tinham renascido no espírito, varrendo como uma onda de maremoto os anos de ensinamentos e práticas cristãs" (p. 173), contaminando a gente da aldeia: "Não sei até onde irão os brancos! (...) Nada do que veneramos tem importância para eles. Nossos costumes, nossas histórias, nossos remédios, nossos homens velhos, tudo é igual aos negócios dos seus boys..." (p. 183), conclui Essomba, um de seus parentes. A bem da verdade, antes de Meka, sua mulher, Kelara, já havia compreendido a fraude daquele tributo: "Meus filhos, meus pobres filhos, vocês foram vendidos como Judas vendeu o Senhor... (...) Vocês valem, os dois, meus pobres queridos, uma medalha..." (p. 124). O narrador não poupa crítica aos colonizadores: a hipocrisia do administrador, M. Fouconi, que "vivia com uma mulher nativa, que escondia no depósito de móveis, no porão, quando recebia os compatriotas" (p. 61); o desdém do Alto Comissário, quando convidado a compartilhar um bode com Meka (p. 131-132); a falsidade do padre Vandermeyer que expulsava dos arredores da igreja os "(...) mendigos esfarrapados (...)" (p. 176); a violência policial (p. 148-167); o racismo, a exploração... Afastados de suas crenças originais, tentando mimetizar os valores estrangeiros - "Agora que o marido vai receber uma medalha, ela [Kerala, a mulher de Meka] se tornará uma mulher branca" (p. 45) - e perdendo até mesmo os nomes - "(...) depois da Segunda Guerra (...) tudo era De Gaulle (...) O retrato do general estava pregado nas paredes de todas as choupanas. Havia De Gaulle meninas. De Gaulle meninos" (p. 76) - a pergunta que permanece reverberando após o fim do livro é: "(...) será que existe verdadeiramente alguma coisa que nos pertença, no sentido como o entendiam nossos ancestrais, desde que os brancos estão neste país?" (p. 182).


(Março, 2017)


Avaliação: BOM     


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