quinta-feira, 28 de julho de 2016

O vermelho e o negro (1830) 
Stendhal (1783-1842) - França   
Tradução: Raquel Prado              
São Paulo: CosacNaify, 2015, 541 páginas

Um dos maiores romances de todos os tempos - protagonizado por um dos maiores personagens de todos os tempos. A narrativa acompanha apenas cerca de cinco anos da vida de Julien Sorel, entre seus 19 e 24 anos, período em que o filho de um carpinteiro da pequena cidade de Verrières perfaz uma trajetória tempestuosa até brilhar nos salões de Paris - um percurso em que acirram nele "(...) o ódio e horror à alta sociedade em que fora admitido (...)" (p. 41), o que acabará por levá-lo à guilhotina. Recalcado, invejoso, egoísta, cínico, mitômano, orgulhoso, Julien não mede esforços em alcançar o objetivo: inspirado em seu herói, Napoleão Bonaparte, quer ser alguém na rígida estrutura da sociedade francesa. Para isso, finge-se temente a Deus, finge-se interessado nas coisas da aristocracia, finge-se apaixonado. O livro se divide em duas partes. A primeira narra a entrada na casa do senhor de Rênal, um industrial de Verrières com ares de fidalgo, como preceptor de seus filhos, e a decisão de seduzir a senhora de Rênal, 11 anos mais velha, como parte de um plano ambicioso. Expulso de Verrières para evitar um escândalo, foge para Besançon onde tenta tornar-se padre. A segunda parte, já em Paris, explicita a continuação de seu propósito, quando deixa-se seduzir pela romântica e determinada Mathilde, filha do marquês de La Mole. Seu roteiro desmorona quando o marquês recebe uma carta da senhora de Rênal (que ela escreveu contra a vontade) acusando-o de hipócrita e explicitando sua relação adúltera. Julien tenta assassiná-la e acaba condenado à morte. Além de construir um personagem inesquecível, voluntarioso e megalomaníaco, Stendhal denuncia a corrupção na política, a podridão da Igreja Católica, a falsidade das relações pessoais, embora haja lugar também para pequenos gestos de solidariedade e de humanidade. No fundo, Stendhal retrata a ascensão e queda de um anti-herói que, imaginando manipular os cordames da sociedade, é por ela triturado*. 
  

* De certa forma, a mesma sensação nos fica com a leitura de "Ilusões perdidas", obra-prima de Honoré de Balzac (1799-1850), publicado posteriormente, entre 1836 e 1845. Balzac, um dos poucos contemporâneos a reconhecer a genialidade de Stendhal, talvez tenha até mesmo prestado homenagem em seu romance a "O Vermelho e o Negro", ao resolver batizar o protagonista com o nome de Lucien de Rubempré. Lucien lembra Julien - e o sobrenome Rubempré aparece à página 194 do livro de Stendhal: "Esperavam muito da velha presidente de Rubempré; esta senhora de noventa anos conservava etc".

** Algumas curiosidades:
1) O narrador antecipa o fim trágico de Julien - na verdade, Julien, sem o saber, antecipa seu fim trágico -, quando, à página 31, o protagonista encontra, sobre o genuflexório da igreja de Verrières, um pequeno pedaço de papel impresso, rasgado, onde leu: "Detalhes da execução e dos últimos momentos de Louis Jenrel, executado em Besançon no dia...".
2) Uma única vez o narrador cita o nome da Sra. de Rênal: Louise, à página 130.
3) Stendhal oferece uma espécie de teoria do romance, à página 364: "(...) o romance é um espelho que se carrega ao longo da estrada. Tanto pode refletir para os seus olhos o azul do céu como a imundície do lamaçal da estrada. Por acaso o homem que carrega o espelho em sua sacola poderia ser acusado de imoral? Seu espelho mostra a sujeira e o senhor acusa o espelho? O senhor deveria acusar o longo caminho onde se forma o lamaçal e, sobretudo, o inspetor das estradas que deixa a água apodrecer e o lodo se acumular".
4) Uma frase que cabe a qualquer século: "Esse século está destinado a confundir tudo! Caminhamos para o caos." (página 446)



Avaliação: OBRA-PRIMA  

(Julho, 2016)


Entre aspas

"(...) todo bom raciocínio ofende". (p. 192)

"Qual é a grande ação que não é extremada no momento em que a empreendem? Só quando fui cumprida é que parece possível às pessoas comuns." (p. 317)

"A política (...) é uma pedra amarrada no pescoço da literatura e que, em menos de seis meses, a faz submergir." (p. 383)

"(...) nunca os homens dos salões acordam de manhã com essa preocupação pungente: como vou jantar? E se gabam de sua probidade! E, convocados para o júri, condenam altivamente o homem que roubou um talher de prata porque estava desmaiando de fome." (p. 505)


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.