Um dia na vida de
Ivan Deníssovitch (1962)
Ivan Deníssovitch (1962)
Aleksandr Soljenítsin (1918-2008) - RÚSSIA
Tradução: António Pescada
Porto: Sextante, 2017, 175 páginas
Porto: Sextante, 2017, 175 páginas
Não se trata propriamente de uma narrativa de ficção, mas de uma espécie de documento com utilização de técnicas de romance. Aliás, o próprio Autor, em nota posterior à edição francesa de 1973, confessa que as personagens são reais, "recolhidas da vida no campo [num gulag], e as suas biografias são autênticas". E o livro é exatamente o que promete o título: um dia na vida do prisioneiro Ivan Deníssovitch Chúkov no campo de concentração de Ekibastuz, nas estepes geladas do que hoje é o Cazaquistão, naquela época parte da extinta União Soviética. O ano é 1951 e estamos em pleno inverno - a temperatura, naquele dia, não passa dos 17 graus negativos e com a chegada da noite cairia para até 40 graus negativos. O camponês Chúkov tem 40 anos, oito dos quais vividos encarcerado, primeiro no campo de concentração de Ust-Ijmá e agora em Ekibastuz. Como a maioria dos companheiros de prisão está magro, quase sem dentes (perdidos para o escorbuto), e toda a sua energia se volta para sobreviver a mais um dia de trabalhos forçados. Descrevendo a vida de S-854 (os prisioneiros não têm nome, mas números), o narrador expõe a corrupção dos oficiais encarregados do campo, a permanência de uma hierarquia social entre os reclusos, a arbitrariedade das ações, a tortura do enclausuramento na solitária, onde o prisioneiro, na melhor das hipóteses, saía tuberculoso, devido ao frio, à umidade e à má alimentação (p. 160). Chúkov foi preso em 1941, em plena guerra, acusado de "cumprir uma missão de espionagem alemã" (p. 68), mas nem ele nem os seus julgadores conseguiram definir o que significava essa sua "traição à pátria". Assim, após ser espancado, Chúkov calculou: "se não assinasse [a confissão], ganhava um sobretudo de madeira; se assinasse, ao menos ainda viveria um pouco" (p. 68-69). O narrador mostra o processo de dessubjetivização dos prisioneiros, cujo pensamento se resume a: "falta pouco para a alvorada? Quanto falta para a formatura? E para o almoço? E para o recolher?" (p. 163). Importante como peça acusatória contra a ditadura estalinista soviética (extensiva aos regimes totalitários de maneira geral), o livro no entanto é modesto do ponto de vista literário.
(Setembro, 2017)
Avaliação: BOM
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