A serpente (1945)
Stig Dagerman (1923-1954) - Suécia
Tradução: Ana Diniz
Lisboa: Antígona, 2000, 328 páginas
O que mais chama a atenção nesse romance é sua estrutura: são sete contos longos, independentes, cuja única ligação é o fato de alguns personagens reaparecerem na trama, não para iluminar uma que outra passagem obscura, mas para vivenciar enredos diversos. As histórias são bem distintas, em termos de resultado final, e essa desarmonia formal acaba prejudicando a fruição do texto. O autor elege o tema do medo, a náusea de viver em um mundo incompreensível, para desenvolver a narrativa. Escolhe, então, o clima opressivo de uma caserna no pós-guerra como cenário e a serpente - que surge e ressurge nas páginas, ora réptil, ora metáfora* - como símbolo. No entanto, talvez por ser muito jovem quando lançou o livro, o autor não consegue a densidade existencial aspirada. Um fosso separa a angústia que os personagens dizem sentir e a impressão que eles transmitem ao leitor**. O romance começa com o encontro de uma serpente ("Deteve-se diante de uns ramos secos e estes, abrindo-se pelo meio, descobriram um réptil cinzento de língua sibilante" - p. 22) e termina com sua morte ("No soalho jaz a serpente, com a espinha partida" - p. 269), tendo como recheio "(...) o desejo de aventura, sob a sua forma sueca, ou seja, tudo o que envolva mulheres e álcool" (p. 185). Por fim, o autor às vezes nos irrita como "(...) sua mania de metáforas" (p. 176)***.
* Alguns exemplos:
"Os lábios separaram-se e a língua volteou como a cabeça de uma serpente" (p. 12)
"Ao longo de uma das paredes havia umas barreiras como as que são montadas nas passadeiras perigosas na estrada, e no interior desenrolava-se uma comprida fila que se estendia até ao balcão onde a comida era distribuída, uma fila comprida que era uma serpente (...)" (p. 171)
"(...) viu que aquilo que o rapaz tinha pendurado no braço era uma serpente." (p. 260)
** Às vezes, o autor torna-se retórico, gongórico, como, por exemplo: "Irene deixava-se dominar pelo tropel das suas emoções, deixava-se conduzir à frágil fronteira onde os prados da razão e da reflexão dão lugar ao pântano das emoções (...)" (p. 50)
*** Cf, como exemplo, esse parágrafo de apenas 13 linhas: "Tinham dedos elegantes, finos na ponta, como um lápis bem afiado. Uma delas (...) usava luvas de renda que pareciam feitas de teias de aranha brancas. (...) a ideia atingiu-o como um raio caído da montanha da Revelação. (...) Cautelosamente, como se fosse uma peça de porcelana fina (...)". (p. 187)
Avaliação: BOM
(Outubro, 2016)
Entre aspas
"(...) haverá alguém mais perigoso do que uma pessoa com medo?" (p. 170)
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