domingo, 5 de janeiro de 2020

Os emigrantes (1992) 
W.G. Sebald (1944-2001) ALEMANHA   
Tradução: José Marcos Macedo     
São Paulo: Companhia das Letras, 2009, 237 páginas





O livro reúne quatro narrativas independentes, mas que se vinculam entre si por exibirem vidas devastadas pelos insanos episódios históricos da primeira metade do século XX, em particular pela loucura das guerras e mais em particular ainda pela inominável perseguição aos judeus. "Dr. Selwyn" relata a vida de Hersch Seweryn - nome original do protagonista -, de família de judeus lituanos, que resolvidos a emigrar para América, em busca de dias melhores, são abandonados em Londres, sem maiores explicações. Dr. Selwyn tinha sete anos e pela Inglaterra acabou ficando, onde estudou medicina e casou-se com uma mulher rica, casamento que acabou depois que revelou suas origens. O narrador o encontra morando, exilado, numa casa em Hingham, perto de Norwich, solitário, mergulhado na memória de um único momento de felicidade no passado - até saber, tempos depois, de seu suicídio. "Paul Bereyter" reconstrói a biografia do professor do narrador. Filho de um rico comerciante judeu com sua empregada cristã, Paul tivera uma infância feliz em S., aldeia do interior da Alemanha, e formara-se professor primário, por um  "idealismo absolutamente incondicionado" (p. 51). Em meados dos anos 30, no entanto, tudo muda. Começam as restrições aos judeus, o pai morre de desgosto e o empório da família é vendido "a preço de banana" (p. 58) para um comerciante "ariano" local. Finda a guerra, Paul volta para ocupar seu cargo de professor em S., aldeia que "odiava, (...), e que teria preferido ver destruída e arrasada, junto com seus habitantes, pelos quais sentia profunda aversão", mas que, "bom professor, ele teria acreditado que se podia simplesmente passar uma borracha nesses doze anos infelizes e virar a página para começar tudo do zero" (p.61). Em dezembro de 1983, uma semana depois de completar setenta e quatro anos, Paul Bereyter deitou-se nos trilhos à espera do trem... "Ambros Adelwarth" é o relato da vida aventureira do tio-avô homossexual do narrador, que muito jovem deixa a Alemanha e emigra para os Estados Unidos. O narrador viaja àquele país para tentar compreender quem havia sido aquele personagem que aparecia e desaparecia em sua infância, durante temporadas de férias em S. Após ganhar o mundo, como acompanhante de viagem de um jovem milionário da região de Nova Iorque, Ambros, na velhice, resolve se internar em um sanatório para doentes mentais, em Ithaca, onde se submete, voluntariamente, a sessões de eletrochoque, "como alguém a ser em breve sepultado em alto-mar" (p. 118). O que Ambros procurava destruir era sua "memória infalível": "Por isso, contar histórias era para ele tanto uma tortura quanto uma tentativa de libertação, uma espécie de resgate e ao mesmo tempo uma forma inclemente de autoimolação" (p. 103). "Max Ferber" talvez seja para onde confluem todos os questionamentos das histórias anteriores. O narrador torna-se amigo de um pintor judeu alemão, exilado em Manchester, na Inglaterra, que lá chegara em 1939, com um visto conseguido pelo pai por meio de suborno de um cônsul inglês. Max entrega ao narrador um "pacote envolto em papel de embrulho e amarrado com barbante, no qual se achavam, além de algumas fotografias, quase cem páginas de anotações manuscritas", que sua mãe, Luisa Lanzberg, fizera entre 1939 e 1941, antes de ser enviada para um campo de extermínio. O narrador então resume as memórias de Luisa: sua infância quase idílica, no começo do século XX, em Steibach, na Baixa Francônia, e a juventude em Bad Kissingen, balneário frequentado pela aristocracia russa, onde o pai adquirira uma enorme casa. Mas ali Luisa não foi feliz: perdeu o primeiro amor, um trompista cristão de uma orquestra que tocava para os veranistas, morto por um derrame cerebral, e depois o segundo amor, um tenente que chega cego, vítima dos combates da I Guerra Mundial, e que é acometido de uma doença que o leva rapidamente. Depois, enfim, conhece Fritz Ferber, que se torna galerista de arte em Munique, de cujo casamento nasce Max. A vida transcorria tranquila, até que começam as perseguições antissemitas. Luisa escreve: "(...) vejo nuanças de azul por toda parte - uma única superfície vazia que se estende até o crepúsculo vespertino, sulcada pelas trilhas de patinadores desaparecidos" (p. 218). Max Ferber irá mais tarde tentar fazer retratos a carvão. Afirma o narrador: "Eu não cansava de me admirar de como Ferber, ao final de um dia de trabalho, produzia um retrato de grande vividez com as poucas linhas  e sombras que haviam escapado à destruição, e muito mais me admirava quando, na manhã seguinte, tão logo o modelo assumisse sua pose e ele lhe lançasse um primeiro olhar, tornava a apagá-lo, a fim de escavar novamente do pano de fundo, já bastante danificado pelos incessantes estragos, os traços do rosto e os olhos em última análise (como ele dizia) incompreensíveis de seu modelo" (p. 163-4). Impossível retratar o horror de uma época em que a Humanidade descarrilhou dos trilhos da Razão...


Avaliação: MUITO BOM

(Janeiro, 2020)

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