segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

O fio da navalha (1944) 
Somerset Maugham (1874-1965) - INGLATERRA    
Tradução: Ligia Junqueira Schmidt      
São Paulo: Abril, 1974, 449 páginas


Este romance é, como diz o Autor, um tanto quanto ironicamente, uma "história de sucessos" (p. 449). Ao longo das páginas, vamos conhecendo uma galeria de personagens muito bem construídos, cujos destinos são descritos em primeira pessoa pelo Autor que também é personagem - um romancista bem sucedido que vive entre Paris e a Côte d'Azur. Mas, ainda bem!, não se trata da vida, amores e dúvidas do romancista - o que seria detestável -, mas sim dos encontros e desencontros de um grupo de americanos ricos, expatriados na França, com quem ele se relaciona intermitentemente ao longo de algumas décadas. Se o foco maior concentra-se na construção do retrato de Laurence Darrel - Larry -,  por meio do depoimento de amigos e conhecidos comuns e também por alguns encontros ocasionais com o narrador, sobressaem ainda, quase tomando o lugar de Larry, as figuras fascinantes de Elliot Templeton, um dandy homossexual que enriqueceu intermediando a venda de obras de arte francesas para seus compatriotas novos-ricos; sua sobrinha, Isabel, e o marido, Gray, falidos durante o crash da Bolsa de Nova York, mas sustentados por Elliot; e ainda Sophie MacDonalds, recatada moça de Chicago, que após a trágica morte do marido e do filho num acidente automobilístico transfere-se para a França, onde leva vida dissoluta, prostituindo-se e drogando-se. Mas o objetivo principal da narrativa é perseguir a trajetória de Larry, desde sua adolescência no interior de Illinois. Jovem ainda, Larry participa, como aviador, da I Guerra Mundial, onde tem uma experiência terrível: um de seus melhores companheiros de armas, Patsy, acaba morrendo tentando salvá-lo: "tinha vinte e dois anos. Ia casar-se com um moça na Irlanda, quando acabasse a guerra" (p. 80), lamenta Larry, anos depois. Quando ele volta para casa, não consegue mais adaptar-se ao cotidiano e parte para o mundo em uma busca espiritual: "Quero ter certeza da existência ou da não-existência de Deus. Quero conhecer a origem do mal. Quero saber se tenho uma alma imortal, ou se a morte põe fim a tudo" (p. 102), busca essa que o levará até os confins da Índia. Talvez, contrariando o Autor - "É Larry que me interessa' (p. 387) -, muito mais interessante que o Larry seja Elliot, inesquecível personagem, "profundamente patético" (p. 291) em sua humanidade: "Entristeci-me ao pensar em como sua vida fora tola, vazia e inútil. Pouca importância tinha agora o fato de ele ter ido a tantas festas, convivido com todos aqueles príncipes, duques e condes. Já se tinham esquecido dele por completo" (p. 343).

 

Entre aspas:


"(...) os homens não são somente eles; são também a região onde nasceram, a fazenda ou o apartamento da cidade onde aprenderam a andar, os brinquedos com que brincaram em crianças, as lendas que ouviram dos mais velhos, a comida de que se alimentaram, as escolas que frequentaram, os esportes em que se exercitaram, os poetas que leram e o Deus em que acreditaram" (pág. 13)


"O fato de muita gente acreditar numa coisa não é garantia de sua veracidade" (pág. 379)



Avaliação: MUITO BOM

(Janeiro, 2020)

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